[MÚSICA] [MÚSICA] >> Nesse primeiro módulo, nós veremos alguns dos conceitos básicos da discussão dos videogames como arte. Primeiro lugar vamos conhecer alguns aspectos dos jogos, depois nós veremos a relação entre os jogos de modo geral e a cultura. Uma definição interessante pode ser encontrada no livro The Grasshopper de Bernard Suits, onde ele diz que os jogos são atividades direcionadas por objetivos nas quais o emprego de meios ineficientes é intencionalmente escolhido. [MÚSICA] Como assim? Bom, quando executamos uma ação através de meio eficiente não esperamos encontrar desafios. Num ambiente lúdico isso não teria muita graça então a proposta de atingir objetivo através de meio ineficiente é algo que faz compreender a origem do que seriam consideradas as regras de jogo. As regras nada mais são senão as leis que estipulam os limites de ação do jogador para atingir o objetivo final do jogo. Tendo assumido essas regras como leis absolutas, o jogador conhecerá as limitações impostas para percorrer uma série de obstáculos. Partindo dessas restrições o jogador deverá então ter como intenção sincera atingir a vitória estipulada como o objetivo final do jogo. Tudo pode parecer bastante óbvio, mas para Suits a própria atitude do jogador seria considerada elemento do jogo. Essa predisposição para jogar, seguindo as regras e buscando o objetivo final, seria chamada de atitude lusória. [MÚSICA] [MÚSICA] As regras formam o jogo enquanto instituição pois elas compreendem o que o jogador pode ou não fazer no espírito de jogo justo. Tais regras, se bem elaboradas, garantem o equilíbrio entre os jogadores e balanceiam a dificuldade do desafio que será enfrentado. É interessante que atualmente ainda haja discussão sobre os jogos serem ou não parte da cultura já que teóricos como Johan Huizinga defendiam, lá no início do século XX, os jogos como expressões culturais de uma maneira tão convincente que sua obra continua sendo utilizada por estudiosos até aos dias de hoje. [MÚSICA] Podemos citar como exemplos de uma cultura primordial a atividade ancestral da caça que possua tanto carácter lúdico quanto ritualístico e o faz de conta que servia como simulação e aprendizado. O jogo seria a forma da sociedade exprimir sua interpretação a respeito da vida e do mundo. Assim à medida que algum jogo fosse perdendo o seu elemento lúdico ele passaria a ter outra importância. Suas regras se cristalizariam outros setores da sociedade, seja através do folclore, da poesia ou até mesmo na política e na religião. Para o autor os jogos e a cultura se fundiram de modo que não podem mais ser separados. Algumas provas desse fato são apresentadas na própria construção linguística. Inglês, por exemplo, to play pode tanto significar o engajamento na atividade do jogo, quanto o ato de tocar instrumento, de interpretar papel uma peça de teatro ou num filme. O mesmo ocorre com o significado de jouer, francês. Para entender as origens da palavra jogo devemos buscar uma visão mais ampla e perceber que o momento social do qual fazemos parte é voltado para produtivismo que opõe o jogo e o não jogo num confronto moral. Tanto o jogo quanto a arte são chamados de atividades sem utilidade ou improdutivas num sentido pejorativo, como se isso ferisse a moral da nossa sociedade. Na realidade o que o jogo e a arte ferem é essa padronização do pensar que valoriza produtividade imediatista, pois tanto a arte quanto o jogo trazem benefícios subjetivos como a fruição, o bem estar e o desenvolvimento da crítica. O jogo, como a arte, consiste numa atividade que se resolve si mesma, talvez seja por isso que ambos sofram uma desvalorização de sua real importância, a experiência do jogar pode transformar a nossa subjetividade. O mesmo acontece com a arte, porém muitas vezes ouvimos a defesa do valor de ambos com base dados econômicos. Quanto faturou a indústria do videogame esse ano? Quanto vale quadro de Van Gogh atualmente? São questões levantadas sem pensar no valor subjetivo ou mesmo histórico desses 2 tipos de manifestações culturais focando apenas no seu potencial como bem de investimento. Além da própria fruição, o ato de jogar desencadeia uma série de benefícios posteriores. Os jogos nos oferecem num ambiente controlado a possibilidade de exercitar habilidades que utilizaremos socialmente no não jogo. Os jogos também podem representar territórios ricos para o desenvolvimento de aptidões sociais importantes para uma convivência saudável. Quando bem equilibrados os jogos propõem ambientes idealizados nos quais inicialmente todos os participantes possuem as mesmas chances de sucesso. Neste universo mágico e temporário não importa etnia, a classe social, o gênero ou a orientação sexual dos jogadores, há potencial para o crescimento de cada jogador. Para falar pouco mais a respeito da relação entre os jogos e cultura convidamos o professor e pesquisador Dr. Roger Tavares, dos pioneiros na área de estudos acadêmicos dos videogames no Brasil. O Roger também é fundador da Gamecultura, uma empresa percursora tratar os games como forma de cultura aqui no país. >> O meu nome é Roger Tavares, sou doutor Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo, e atualmente trabalho no Departamento de Artes da Universidade Federal de Rio Grande do Norte. Meu objeto de pesquisa são os videogames, os jogos digitais. Eu os pesquiso academicamente desde 1999 e os pesquiso na prática desde os 11 anos de idade quando ganhei aparelho telejogo dos meus pais. As pessoas costumam ver os videogames como uma mídia infantil, joguinho é coisa de criança. Esse equivoco tem lado bom pois isso adiciona leveza a uma mídia que é tão complexa, mas por outro lado também tem lado ruim que é simplificar demasiadamente uma mídia tão poderosa quanto divertida. Se no início dos anos 2000 esse objeto de pesquisa causava tanto estranhamento, e é claro gerava muitas piadas, quase 20 anos depois ele já é levado pouquinho mais a sério. Presente nas grandes universidades brasileiras os estudos sobre jogos digitais vão desde como fazê-los, até aos efeitos que eles podem gerar na sociedade. Uma mídia complexa como essa reune conhecimentos de áreas diversas, desde computação matemática até artes e música, passando por design, literatura, psicologia e muitas outras áreas. É uma mídia interdisciplinar por natureza. Jogos feitos por poucas pessoas normalmente são mais simples e mais curtos. Outros jogos entretanto reúnem mais de 200 profissionais trabalhando por 3 anos ou mais para criarem títulos que podem ser jogados por meses a fio. Alguns jogos podem durar mais de 200 horas, bem diferente do cinema e da televisão. Por isso eu gosto de pensar nos jogos digitais como uma mídia contemporânea. O ser humano sempre contou suas histórias. Se antes essas histórias eram contadas pelo teatro, pelos livros, pelo rádio, pelo cinema, pela televisão, hoje essas histórias podem ser contadas pelos jogos digitais. O ser humano sempre jogou. Se antes de Cristo jogava suas mancalas, seu senet, seus dados, lutas e corridas hoje isso foi evoluindo e atualmente os jogos digitais, assim como os esportes, podem ser jogados eventos profissionais, patrocinados e grandes estádios, mas eles podem também ser jogados com os seus amigos nos finais de semana ou sozinho, ou com os seus familiares no conforto da sua casa. Os jogos recebem todas as mídias que os precederam as ressignificam e dão poder ao jogador. Permitem que o jogador tome suas decisões que observe a história por pontos de vista diferenciados e que estabeleça percurso próprio através da sua curiosidade e do seu auto conhecimento. Os jogos digitais são a atualização dos jogos e também das outras mídias para a nossa contemporaneidade. Dia eles serão adicionados à grande lista dos meios consolidados para dar lugar a outros mais contemporâneos. Por isso teremos de pensar também que eles são o nosso legado. No futuro as pessoas vão querer saber o que nós jogávamos na nossa época, então temos que jogar bons jogos para não fazer feio nessa parte da história. Game é cultura sim e também será memória. >> Nessa aula vimos algumas das teorias que definem os jogos e sua relação com a cultura. Entendemos também porque, no momento atual, jogo e arte são chamadas de atividades improdutivas, desvalorizadas perante outras atividades. Ainda destacamos a necessidade de pensarmos valores mais amplos relacionados à experiência, à fruição. A seguir entraremos de uma maneira ainda básica na discussão específica ligando os jogos e a arte. [MÚSICA] [MÚSICA] [MÚSICA]