[MÚSICA] [MÚSICA] [MÚSICA] Quando procuramos testar hipóteses, a presença ou não de um grupo comparador é grande divisor de águas na epidemiologia. Mas afinal, você já se perguntou por que é tão importante ter um grupo comparador? Para entender melhor essa questão, trago a vocês o exemplo da Milagrina. Trata-se de medicamento inovador que o meu grupo de pesquisa tem avaliado para cefaleia tensional, a famosa dor de cabeça comum. Após longos meses de pesquisa, apresento a vocês os resultados da Milagrina, que de forma simplificada representam 70% de melhora da dor nos indivíduos testados. Agora eu pergunto a você: o quanto dessa melhora pode ser de fato atribuída ao uso da Milagrina? Será que parte desses indivíduos não teriam melhora, ou pelo menos parte dessa melhora, sem uso de qualquer intervenção? Lembre-se, o nosso organismo é complexo, tem a capacidade de se defender e de se adaptar a variadas adversidades. Ou seja, a própria história natural da doença poderia ser responsável por parte da melhora da dor de cabeça. Precisamos descontar este efeito da nossa intervenção, que no caso é a Milagrina. Ao avaliarmos o efeito das intervenções precisamos ainda considerar o efeito da observação, que é também conhecido como efeito Hawthorne. Esse efeito diz respeito à mudança de comportamento dos indivíduos pelo fato de estarem sendo observados. É aquele indivíduo que a partir do momento que entra numa pesquisa clínica passa a ser altamente aderente ao tratamento, porque tem uma equipe vigilante acompanhando ele. Porém, a partir do momento que ele sai dessa pesquisa clínica, quem sabe seu comportamento seja totalmente diferente e aquela intervenção tenha efeito muito díspar do que foi observado na pesquisa clínica. Será que os indivíduos testados com a Milagrina não mudaram seu padrão de sono, buscaram ter menos estresse, entre outras causas que poderiam agravar as crises de cefaleia? Precisamos considerar esse efeito na avaliação do efeito da Milagrina. Além do efeito Hawthorne, precisamos considerar a influência do efeito placebo na avaliação da Milagrina. Ou seja, parte dos pacientes poderia referir uma melhora da dor pelo simples fato de acreditar na intervenção, por mais que não houvesse uma interação entre substância, receptores, nessa cadeia biológica. A essa interação mais complexa chamamos de efeito placebo. Por fim, devemos lembrar da influência do acaso na avaliação das nossas intervenções. Alguns indivíduos poderiam ter referido valores extremos no início do estudo, na avaliação da escala de dor. Um indivíduo que referiu valor de nove, numa escala de zero a dez, muito provavelmente teria valor menor ao longo do acompanhamento. Até mesmo porque é pouco provável que ele piore de nove para dez. Damos a esse efeito o nome de regressão à média. É o caso do atleta que tem desempenho espetacular em uma temporada e nunca mais consegue
repeti-lo nas temporadas seguintes. Na verdade, o desempenho daquele atleta era um desempenho médio, semelhante aos seus pares e aquele desempenho extraordinário foi obra do acaso. Assim, podemos observar que o efeito realmente atribuído a Milagrina era apenas uma pequena parcela da aquilo que eu havia apresentado inicialmente a vocês. Pessoal, espero que entender a importância de um grupo comparador não seja mais dor de cabeça para ninguém. Até mais. [MÚSICA] [MÚSICA] [MÚSICA] [MÚSICA] [MÚSICA]