[MÚSICA] [MÚSICA] [MÚSICA] Eu agora converso com a professora Luciane Cruz Lopes, docente do programa de pós-graduação e ciências farmacêuticas da Universidade de Sorocaba, a UNISO. A doutora Luciane é farmacêutica e coordenou por seis anos a Comissão Nacional de Medicamentos Essenciais, a COMARE, que elaborou a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais, RENAME, formulário terapêutico nacional, além da mesma comissão e relações de medicamentos fitoterápicos e plantas medicinais. A professora Luciane colabora com diversos projetos de pesquisas internacionais na área da avaliação de tecnologias saúde e uso racional de medicamentos. Muito obrigada, Lu, por dividir o seu conhecimento conosco. Por favor, complementa a sua apresentação pros nossos alunos. É, obrigada pelo convite. É sempre bom trabalhar com a professora Taís, porque sempre tá com projeto inovador na área de divulgação e de transferência de conhecimento. Então, eu acho assim, ela falou principalmente o que eu atuei na minha carreira. Na realidade, eu tenho formação farmacologia terapêutica, mestrado e doutorado. Desde os primeiros anos da faculdade eu fiz estágio e fui bolsista FUNDAP, bolsista CNPq, bolsista FAPESP da farmacologia. Então, toda a minha formação de farmacêutica na graduação foi voltada a conhecimentos da farmacologia básica, que depois foi se transformando na área de farmacologia clínica. E, atualmente, estou desenvolvendo trabalho sobre diretrizes de como selecionar medicamentos para atensão primária em países de baixa e média renda. Então, é trabalho que tá sendo promovido pelo Ministério da Saúde. A gente tá numa equipe e com essa proposta atualmente. Ótimo, Lu. Sempre trabalhando muito, desde sempre. É, a sua carreira de pesquisa então iniciou na pesquisa básica, como você falou, farmacologia. E como se deu esse processo então de passar dessa área para realizar pesquisas aplicadas, pesquisas em seres humanos, pesquisas com revisões sistemáticas? Então, isso aconteceu durante o meu convite para trabalhar junto ao Ministério da Saúde e, na realidade, a gente já vinha buscando trabalhar com a parte clínica. Por quê? Porque quando você é professor de farmacologia ou farmacodinâmica, você não pode só ficar trabalhando com mecanismo de ação. Meu Deus do céu. Nenhum paciente vai chegar na farmácia lá: " eu quero saber o mecanismo de ação desse fármaco". Então, você tem que saber, você tem que saber linkar quando que o conhecimento biológico do mecanismo de ação, ele é importante para tomada de decisão clínica com base nos estudos epidemiológicos. Então, eu sentia muita, muita vontade de conhecer pouco melhor os desenhos epidemiológicos que pudessem subsidiar o conhecimento da parte farmacológica que eu tinha, que na realidade eu conhecia e conheço ainda pouco do mecanismo de ação dos fármacos. Mas tem gap, tem uma janela muito grande entre você ter um medicamento que reduza a pressão arterial porque ele é vaso dilatador e realmente ele reduz ... alguns disfechos que são importantes, como a mortalidade. Então, por exemplo, nifedipino, que a gente usou muito tempo Adalat para diminuir a pressão arterial, a gente sabe hoje que ele é fármaco que aumenta o risco de mortalidade, principalmente em determinados grupos de pacientes. É mesma coisa que tratar qualquer dor e tal. Então, não basta você ter o conhecimento da categoria do fármaco, do mecanismo de ação dele. Você tem que saber interpretar estudos clínico, avaliar criticamente e a aplicabilidade dele para a saúde pública. Legal. E você falou também que veio também dessa possibilidade de trabalhar no Ministério, provavelmente nesse momento, da COMARE, né? É, no momento da COMARE, eu percebi que se eu não me atualizasse, eu não me envolvesse nos estudos de epidemiologia, eu não conseguiria coordenar a comissão e etcetera. Foi aí que eu estabeleci relação com a McMaster no Canadá e eu fiquei de 2008 até 2013 desenvolvendo trabalhos para o meu pós doutoramento, onde eu vinha e voltava de Hamilton, no Canadá. E eu fui aprendendo a fazer e analisar criticamente a literatura para poder contribuir com a comissão que eu estava coordenando também. Também a comissão me ajudou muito, tinha muita gente competente nessa comissão que fazia a gente ler, fazia a gente interpretar pouco. Então, eu tive que mudar necessariamente do básico... eu tive que mudar não, eu tive que agregar o conhecimento do clínico ao meu conhecimento do básico. Aham, deve ter sido desafio bem grande, né? Que aprendizados você tira então? Porque eu acho que é uma coisa muito completa de ter tido experiência nessa área básica e agora na avaliação de tecnologias e saúde, condução de revisões sistemáticas... Olha, eu tenho uma opinião bastante crítica nisso. Por exemplo, a minha formação, ela foi aquém daquilo que o farmacêutico precisa hoje, entendeu? Naquela época, a gente voltava muito para o conhecimento da área básica. Hoje, eu vejo que falta na formação, principalmente do farmacêutico, eu não posso dizer dos outros cursos, mas no curso que eu estou mais envolvida, uma formação forte em avaliação de tecnologia e saúde, forte em estudos epidemiológicos e forte em sabe no quê? De uma farmacoterapia baseada evidência. Eu acho que farmacêutico fica muito preocupado follow-up de farmacoterapia, mas o que ele tem que entender é fazer uma boa análise crítica da literatura e usar os formulários que existem padronizados e validades para fazer o seguimentos do paciente, mas ele tem que saber, ele tem que saber de clínica, ele tem que saber daquilo que realmente funciona, e qual é a primeira, a segunda, a terceira linha de tratamento? Embora isso seja trabalho do médico, não é só do médico. Quando você faz follow-up do paciente, você precisa ter na sua cabeça o guideline, você tem que ter na sua cabeça aquilo que realmente tem evidência, aquela evidência que foi produzida com base conflito de interesse. Eu acho que eu resgato de todo esse conhecimento é quais são os cursos hoje que no Brasil a gente pode dizer que o professor de farmacologia, de farmacodinâmica realmente conhece esse trabalho clínico e não fica trabalhando só com mecanismo de ação? Quais são os cursos que integram a epidemiologia ou a avaliação tecnologia e saúde na farmacoterapia ou na farmacodinâmica? Então, eu acho que isso para mim, por exemplo, eu revi toda a minha forma de dar aula na graduação. Hoje, o meu formato de aula na graduação implica que eu trabalho farmacocinética, farmacodinânica, mecanismo de ação, mas eu tenho, necessariamente, que trabalhar quais são os desfechos que existe benefício no tratamento usando aquele grupo farmacológico ou, especificamente, se não for efeito de classe ou efeito daquele fármaco sobre a doença do paciente. É, eu acho que amplia muito a visão, né Lu? É, e o que é que você acha dessa área, então, juntando as duas áreas, aplicar revisões sistemáticas na pesquisa básica, né? Você acha que é comum, por exemplo, antes de delinear projeto de pesquisa original, de bancada, os grupos, por exemplo, se debruçarem sobre a literatura e também planejarem uma revisão sistemática para então desenhar melhor esse projeto dentro de uma lacuna de conhecimento, por exemplo? Você acha que tem demanda desse tipo de revisões nessa área? Nossa, se você olhar pouco a literatura que é produzida na bancada. Tem, eu posso até te mostrar alguns slides, eu não sei se você vai querer ver os resultados, mas, por exemplo, os estudos de bancada, eles têm viéses imensos e eles não conversam entre si. O que pesquisador usa de dose ou o modelo que ele usa... ele pode até usar modelo padronizado para estudar edema, que é dos sintomas do processo inflamatório, como edema de pata ou efeito analgésico em cauda, etcetera. Então, tem vários modelos experimentais aí. Ou úlcera induzida por etanol, úlcera induzida por algum antinflamatório e tal. O que acontece é, você não tem ensaios animais cegos, randomizados, é com análise estatística cega, realmente controlado a análise como ela precisa ser feita e há uma preocupação que o modelo esteja seguindo o certo, mas não há uma preocupação... E que todo o estudo esteja correto. Então o que a gente percebe? Eu ja fiz umas duas, três revisões sistemáticas, a gente tá terminando de rodar. É muito difícil você fazer uma metanálise disso. Porque a forma de coletar o dado, ou de colocar o dado na tabela, ela é muito diferente de grupo pro outro, os experimentos faltam informações que são importantes. O pesquisador acabou matando o animal ou não reportando quando o animal morreu devido ao tratamento, os tratamentos são administrados antes da indução, então você não tem realmente certeza se aquele efeito se comportaria novamente da mesma forma depois que a pessoa já está com a doença instalada. Então na realidade você tem, enquanto os estudos em animais são feitos em um único laboratório, quando voce compara com o estudo clínico voce tem estudos que são multicêntricos, voce tem uma consistência, uma robustez de estudo clínico maior, então eu acho que é uma carência muito grande de estudos de revisões sistemáticas consistentes, para que isso balize o próximo experimento do pesquisador que vai para a bancada, e isso diminui o número de animais, diminui o número de esforço jogado ao vento, já que pode existir uma literatura melhor sobre isso. Isso respaldaria pesquisas que são translacionais, ou seja, onde a gente revê o uso de medicamento que aparece efeito um pouquinho diferente, como foi o caso da Talidomida, que a gente reinventou o uso da Talidomida. Acho que se a gente tivesse prestado atenção pouco nos experimentos em animais ou feito uma boa revisão sistemática avaliando a qualidade do estudo, que já mostravam esses aspectos antes, a gente pouparia tempo enorme e avançariamos em termos de ciência. Se você olhar, tem pouca revisão sistemática feita em animal, você tem dois grupos importantes no mundo, você tem o grupo do SYRCLE, que é na Holanda, e é junto com o pessoal da Inglaterra e da Austrália, fundaram o grupo dos CAMARADES, e eles pularam alguns checklists, algumas ferramentas para fazer a avaliação crítica de estudos em animais. O nosso grupo está se capacitando para isso. Quais são os desafios para isso? Formar pesquisador competente em fazer essa análise crítica. Sim. Entender, porque uma coisa é o epidemiologista olhar pro estudo clínico, você ter médico ali ou especialista naquela área e te ajudar a enxergar que desfechos além daqueles importantes de hospitalização, mortalidade, seriam importantes para uma determinada condução, porque os experimentos animais trabalham muito com desfechos substitutos, que é medir epidemia, que é medir pressão arterial, e isso a gente sabe que a gente precisava trabalhar, por exemplo, com indução de pressão. Até existem ratos já modificados geneticamente que são hipertensos, mas precisava estudar pouquinho os desfechos que são importantes. Ou seja, quanto tempo demora pro rato desenvolver uma lesão renal, quanto tempo demora para uma mortalidade devido a evento cardiovascular no animal, não tem quase estudos dessa natureza. Os estudos são, 14 dias, 20 dias, tudo controlado no laboratório, e para medir desfecho substituto. Então falta gente competente para desenhar os estudos da área básica, se você olhar alguns papers da área básica você vê que falta objetivo, falta pergunta na pesquisa, e se você olhar teses, dissertações, faltam perguntas nessas teses, dissertações que envolvam uma pesquisa que pode ser por ventura utilizada mais adiante num estudo clínico e daria origem a estudo clínico. É, e eu fico imaginando Lu, do mesmo jeito que você teve então, ao longo da sua carreira, o contato com isso e percebendo essas fragilidades, eu vejo também o grande potencial de uma pessoa, que ela pesquisa a base, que vai elaborar uma revisão sistemática, de ela se apropriar disso e perceber que essa variabilidade é grande. Porque muitas vezes está, como você falou, inserido num contexto de laboratório, e é assim que é feito, mas vamos verificar a comparabilidade e vamos verificar as lacunas de conhecimento, então eu vejo que aí tem potencial muito grande de a área crescer e ter esse aprendizado, se a gente for ver lá atrás a área de epidemiologia clínica também era super heterogênea, até aparecer os checklists, enfim. Você falando aí eu até me lembrei de comentário que o professor Douglas Altman, que já faleceu, ele fala que ele fazendo no Journal Club dele sobre ensaio clínico que disse assim: "os pacientes foram mais ou menos randomizados". E aí ele escreveu pro editor da revista e falou "olha, não dá pra ser isso", e o editor meio que ignorou, e isso ai lá atrás, e ai depois então o Douglas Altman liderou, por exemplo, a iniciativa CONSORT para ajudar no relato de ensaios clínicos, e hoje dia ninguém vai conseguir escrever que os pacientes foram "mais ou menos randomizados". Então eu acho que é uma evolução natural, e eu acho que a sua carreira também mostra isso, que é possível a gente melhorar, aprender com as outras áreas também. Assim como a área da saúde também pode aprender com outras áreas que, por exemplo, fazem a análise totalmente cega, faz a análise estatística sem saber qual é o grupo, que é uma forma também da gente super induzir os resultados. É isso, cegamento, randomização, alocação todos os cuidados que você ao usar a ferramenta que o CAMARADES e o SYRCLE desenvolveram, você vai conseguir fazer bom experimento. Pra começar da pergunta do experimento e aí, pra começar, quais desfechos que menos intermediários possíveis, você pode colocar na sua pesquisa e que pode contribuir depois para uma pergunta clínica, entendeu? Verdade. Lu, gostei muito de conversar com você, e eu queria que você deixasse então algum comentário adicional, alguma dica, sugestão, pros nossos alunos aqui do curso. Então, olha só, a gente tá tentando desenvolver metodologias nessa área, a gente tá na 3ª revisão sistemática com nosso grupo, e se vocês quiserem se associar a nós serão super bem-vindos. É um trabalho de formiguinha, porque na realidade precisa formar, capacitar, para depois essas pessoas talvez trabalharem no laboratório, ou com seus grupos, capacitá-los para formar uma equipe que faça os ensaios experimentais pré-clínicos de forma adequada para poder ser utilizado nessas revisões que vão subsidiar outros pesquisadores, mas deixo meu contato aí e vamos trabalhar juntos. Tá ótimo. Muito obrigada Lu, tchau! Tchau. [MÚSICA] [MÚSICA]