Como o sistema internacional pode ser homogêneo quando existem tantas tensões, tantas contradições e tantas falhas em expandir o modelo estatal para o mundo, por todo o mundo? E esta é provavelmente uma das principais características do nosso Espaço Mundial, o sistema internacional é obviamente heterogêneo. É heterogêneo não somente no significado dado por Raymond Aron quando ele disse que tipos diferentes de regimes coexistiam durante a Guerra Fria e o sistema bipolar. É claro, a União Soviética e os Estados Unidos, a Europa Oriental e a Europa Ocidental não eram constituídas pelos mesmos regimes, mas todos eram Estados, eram francamente Estados, baseados na tradição ocidental. A União Soviética, mesmo se ela era também um império, era profundamente afetada pela tradição de Estado que cresceu na Europa. Agora, numa ordem global, as coisas são bem diferentes, quer dizer, não é somente uma questão de diferença de regimes, mas é uma questão de coexistência de diferentes tipos de sistemas políticos. E entre estes sistemas políticos, nós temos que notar tantos Estados falidos, e esta ordem global tão heterogênea é, claro, muito difícil de governar. Como podemos governar uma ordem internacional, que é feita de tantas contradições, de tantas culturas diferentes de política e que é profundamente afetada pelas crise e pela falha da exportação do Estado ocidental? Então, é por isso que, se nós queremos ter acesso a esta ordem internacional, nós temos que apontar quatro tipos de sistemas políticos desviantes. Eu levaria em consideração: os Estados virtuais, os microestados, os Estados falidos e os Estados párias. Estas diferentes categorias são agora frequentemente utilizadas pelos analistas mas também pelos atores políticos, então nós temos que criar um tipo de ordem nesta utilização muito anárquica destes diferentes conceitos. Primeiro, os Estados virtuais. Vocês sabem que “Estados virtuais” foram cunhados pelo grande cientista político norte-americano e economista: Richard Rosecrance, e Richard Rosecrance apontou o caso destes Estados, que tinham uma capacidade, que não é baseada no território ou em recursos materiais, mas que é baseada em recursos não materiais. Richard Rosecrance toma o exemplo de Cingapura. Cingapura não encontra sua capacidade em seu território, que é muito pequeno, muito estreito mas da relação informal, a relação virtual que o transformou em um dos principais atores comerciais em nosso atual mundo global. Isto é uma quebra, porque se levarmos em consideração a história europeia, a história europeia é exclusivamente baseada na construção territorial, é exclusivamente baseada no poder material. E este novo tipo de Estado está provavelmente iniciando uma outra visão da política. E aqui, a principal questão é: como fazer coexistirem estes diferentes tipos de poderes? Aqueles que são baseados em recursos materiais e aqueles que mobilizam recursos não materiais. A segunda categoria que é um pouco complicada, é o microestado. O microestado é definido pela ONU como um Estado, que tem menos de um milhão e meio de habitantes, quer dizer, muitos dos Estados no nosso mundo atual. Estes Estados são às vezes muito muito pequenos, se vocês levarem em consideração por exemplo Tuvalu, na Oceania, Tuvalu tem somente dez mil habitantes. Imagine se nós compararmos Tuvalu com a China e seu 1,4 bilhão de habitantes, Mônaco tem 33 mil habitantes. Tuvalu, Mônaco mas também Kiribati, Nauru, Liechtenstein são membros das Nações Unidas e são considerados legalmente como iguais a China, a Índia, a Rússia ou Estados Unidos. Nós podemos facilmente compreender que esta igualdade não pode ser nada mais do que formal. E a questão da soberania está claramente no centro da reflexão que é desencadeada por esta nova categoria. Como estes Estados podem ser soberanos? Como eles podem ter a mínima chance de serem soberanos? Porém, uma outra questão: como estes Estados são capazes de sobreviver com muito poucos recursos? E é por isso que estes Estados estão às vezes se encaminhando para outras atividades, como paraísos fiscais, ou ainda outras atividades ilegais. Nós podemos entender então como esta discrepância gera algum desvio e patologia da nossa ordem internacional, e isto é importante uma vez que sabemos que a tendência de fragmentação da ordem mundial, da ordem interestatal, está agora crescendo e crescendo. Algumas fragmentações tendo lugar na África, Ásia, Europa e assim por diante. A terceira categoria é provavelmente a mais importante, é a categoria dos Estados falidos. O que é um Estado falido? Um Estado falido é um Estado, que não é capaz de realizar suas principais funções, quer dizer, que não é capaz de proteger sua própria população, que não é capaz de se comprometer ao pacto de Hobbes, ao pacto social de Hobbes, quer dizer não é capaz de prover segurança a todos os cidadãos. Estes Estados falidos às vezes não tem contrato social, quer dizer, mesmo a nação é questionada, alguns deles não são capazes de prover a segurança mínima esperada pelo povo. E isto é particularmente verdadeiro em sociedades de guerra como a República Democrática do Congo ou na Somália, ou na África Central hoje. Estes Estados não têm a mínima infraestrutura necessária para um Estado ser atuante e para proteger sua população. Se levarmos em consideração o exemplo da República Centro-Africana, alguns lugares como por exemplo Birao no nordeste da África Central não são acessíveis da capital do Estado, e assim em diante, esta falta de infraestrutura está, claro, reduzindo a capacidade de proteção do Estado que não é capaz de penetrar sua própria sociedade. Mas, ao contrário, um Estado falido é, pela mesma razão, um Estado que é mais e mais penetrado por fora, pelas potências do exterior, por Estados vizinhos e, na África Central, estes Estados vizinhos são o Chade, o Sudão ou a República Democrática do Congo, mas também por potências vindas de outros continentes. E isto é particularmente óbvio no comportamento dos empreendedores econômicos vindos da Europa para usar, extrair e utilizar os recursos materiais dos Estados falidos. Este conceito foi criado em 1991 para legitimar a intervenção, a intervenção norte-americana na Somália, mas a questão era: como podemos intervir em um sistema político soberano? É contrário à regra, é contrário ao direito internacional. E assim, a solução era imaginar, formular este conceito de Estado colapsado, Estado falido, porque se um Estado está colapsado, se um Estado não funciona não existe mais soberania, e assim não há transgressão da soberania quando se intervêm dentro desses países. Agora, qual é o critério? E qual tipo de instituição internacional é capaz de definir em que condição um Estado pode ser propriamente considerado como um Estado falido. Existe um aspecto nebuloso nesta questão e é por isso que o conceito não é hoje realmente operacional. E a última categoria seria o Estado pária. Estado pária foi um conceito político cunhado por atores políticos durante os anos 1990, e durante a administração Clinton, quando os Estados Unidos estavam carentes de inimigos e tentavam redescobrir a inimizade entre alguns dos Estados menos poderosos, ou mesmo Estados sem poder mas considerados Estados desviantes. Um Estado que é considerado como pária, como desviante, é um Estado em que seria legítimo se envolver e é por isso que este conceito é também muito perigoso. Quando você cunha um Estado como um Estado pária, você ganha o direito de intervir dentro de seus assuntos domésticos. É por isso que este conceito é muito político e é pobremente científico, por uma razão muito simples, que é a mesma que nós indicamos para o conceito de Estado colapsado. Qual é o bom critério de um Estado pária? Um Estado pária é um Estado, que não é comprometido com os Direitos Humanos? Mas muitos Estados estão neste caso. É um estado que é autoritário e não democrático? É um Estado que faz uso de algum tipo de violência? Mas em todas estas possibilidades nós podemos descobrir que muitos exemplos se encaixam nestas definições. Então, por isso que esta nova tipologia de sistemas políticos dentro do mundo atual é difícil de construir, nós sabemos apenas de uma coisa muito importante: a heterogeneidade da ordem internacional e as dificuldades de lidar com esta complexidade.