E agora, sigamos para aspectos mais clássicos do mundo, do nosso presente <i>Espaço Mundial</i>. Vamos levar em consideração Estado, poder, guerra, paz, sistemas internacionais, organizações internacionais e assim por diante... É claro, numa clássica, numa tradicional visão do mundo, o conceito de Estado aparece como um pilar natural. O Estado foi consagrado como a principal unidade e até como uma unidade exclusiva das relações internacionais, quer dizer das relações interestatais. Isso parece ser óbvio, mas de fato é muito mais complexo. Vamos tentar criar uma ordem nesta altíssima complexidade. Em primeiro lugar, o Estado não é um conceito fácil de definir. Nós estamos inclinados a considerar o Estado como um sistema político e nada mais, mas o Estado tem que ser considerado como um sistema político muito especial, com uma definição muito precisa, e seria um método ruim considerar o Estado como uma ordem política genérica, que pode ser aplicada a todas as histórias, todas as culturas, todas as sociedades. Nós temos que construir o conceito de Estado como um conceito histórico, se não fizermos isso, corremos o risco, corremos um risco duplo. O primeiro risco, de não entender realmente a especificidade da articulação entre política e sociedade, em todas as histórias, a política e a sociedade não são unidas da mesma maneira, não são relacionadas uma a outra da mesma maneira. O segundo risco, se tivermos uma visão muito genérica do Estado; é considerar que o Estado, como o conhecemos, como foi construído em nossa história europeia e ocidental, pode ser exportado para qualquer lugar do mundo, e nós sabemos que isto foi um erro. O Estado, se o considerarmos como um fato histórico, apareceu na crise da Idade Média europeia, ele foi inventado durante os séculos XIII e XIV de modo a conter a fragmentação da ordem política, econômica e social dentro da sociedade feudal. O Estado tem que ser considerado como uma solução política para a crise, uma crise muito forte, que aconteceu no fim da era feudal. Quer dizer, o Estado é constituído por algumas características que fazem parte da definição que comumente damos a ele. Os Estados serão considerados como um sistema político, mas um sistema político especial. Isso quer dizer: um sistema político centrado, centralizado um sistema político diferenciado, um sistema político institucionalizado, um sistema político soberano e um sistema político territorial. Centro, diferenciação, instituição, soberania e território são os cinco componentes de um Estado-nação modelo. Centro: nem todos os sistemas políticos são centralizados, se você leva em consideração um sistema tribal, o sistema tribal não é centralizado. Se você leva em consideração a sociedade feudal, a sociedade feudal não era centralizada, isso quer dizer que não existe necessariamente uma conexão entre centro e política. O Estado é um meio de centralização, que ocorreu quando a descentralização da ordem feudal entrou em colapso. Diferenciação: esta é uma outra característica central do Estado ocidental, do histórico Estado ocidental, quer dizer, a separação entre privado e público, entre a sociedade civil e o Estado. A diferenciação não pode ser encontrada em outros tipos de sistema político, nem no império nem na monarquia tradicional ou em uma ordem política tradicional como a encontramos nas sociedades tradicionais. Instituições: instituições, quer dizer, uma separação entre as normas e aqueles que implementam as normas, quer dizer, o Estado tem que ser considerado como um sistema político institucional, é bem diferente por exemplo de uma monarquia patrimonial e da ordem patrimonial como foi concebida na tradição weberiana. Soberania: quer dizer, o Estado é soberano, nem um outro poder atrás do poder do Estado, esta soberania, que é, como vocês sabem, o pilar da visão de Hobbes da política, é fundadora do Estado. Nós temos em mente a grande questão: e a globalização em que uma soberania total não é possível? O Estado é capaz de sobreviver nesta ordem globalizada? E finalmente o território, quer dizer, e isso aparece muito claramente, na definição de Estado dada por Weber, o Estado implica uma ordem territorial com fronteiras muito precisas. Isto também é bem diferente de outros tipos de sistemas políticos, como, por exemplo, os impérios. Em um império, não existem fronteiras claras mas existem estas periferias, que não podem ser reduzidas ao clássico território desenhado pela fronteira. Se nós admitirmos essa definição, nós podemos claramente encontrar uma relação entre a construção do Estado e a superação da ordem feudal, resolvendo a crise política surgindo da desordem social medieval. E é por isso que eu insistirei em um ponto muito importante, quanto mais a sociedade feudal era fragmentada, mais forte foi a centralização como solução para o impasse dessa fragmentação, quer dizer, hoje em dia, estas sociedades, que eram fortemente e profundamente feudalizadas são agora afetadas por uma forte tradição de um Estado forte. É por isso que, por exemplo, a França foi considerada e ainda é considerada como a terra natal dos Estados, onde o Estado é desenvolvido, onde existe uma forte cultura do Estado, uma forte separação entre público e privado, e esta cultura do Estado que está no centro da cultura francesa é explicada pela profunda crise de uma ordem social muito fragmentada que teve lugar na França do final da Idade Média. Agora, se nós considerarmos outros tipos de sociedades, de sociedades europeias, como por exemplo a Inglaterra, a Inglaterra não era fortemente feudalizada, e é por isso que o Estado nunca foi muito forte e a sociedade civil teve um papel mais importante do que um Estado, uma ordem estatal clássica. E agora, se nos voltarmos para os Estados Unidos, que não conheceram a história do feudalismo, nós não podemos encontrar por esta razão uma forte tradição de Estado. Eu irei adicionar um outro ponto, que é conectado a este: quer dizer, quanto mais a sociedade civil é capaz de ser governada por si mesma, mais, é claro, ela escapará da tradição do Estado, e menos desenvolvido o Estado será. Agora, nós temos que levar em consideração outro aspecto desta especificidade, quer dizer, o fundo cultural do Estado. O Estado em sua história é claramente relacionado à cultura cristã como mencionamos na última fala, o cristianismo é provavelmente o suporte do modelo de Estado, quer dizer, esta concepção de separação entre temporalidade e espiritualidade, a visão do secularismo, mas também esta cultura institucional, esta cultura da representação. A maneira com que a Igreja, a Igreja católica romana se organizou em administração, administração territorial, administração judicial, administração fiscal e de impostos e assim por diante, todas estas tendências foram imitadas pelos reis e pelos criadores do Estado para moldar o novo Estado-nação, que estava em criação do século XIII ao XIV. O último ponto que foi salientado pelo grande sociólogo Charles Tilly é que na história europeia, existia uma interação muito densa, trocas, entre o Estado e a guerra. Fazer a guerra, fazer o Estado, como estabeleceu Charles Tilly, isto significava que a história da construção do Estado na Europa é claramente conectada à história da guerra e que as principais características do Estado estão conectadas às principais características da guerra. E é por isso também que Hobbes salientou que existe uma interação entre Estado e segurança. A função de segurança foi concebida no centro das instituições do Estado, e não é possível ter em mente o Estado sem ter em mente a segurança, como nós iremos analisar mais adiante. Este é, senhoras e senhores, o que podemos chamar de sistema westfaliano, que teve lugar no século XVII, e que significou uma nova ordem internacional, que é feita da justaposição destas unidades, destes Estados-naçãoes territoriais. A questão agora é sobre aqueles sistemas políticos que agora são relutantes a este modelo, isto significa impérios. Nós temos alguns impérios sobreviventes como a China, a Rússia, que não são realmente concebidos como Estados. E o que pensar sobre Estados importados, que não foram capazes de crescer como um novo sistema político por exemplo na África ou na Ásia?