Outra pergunta importante com relação aos processos de integração regional na América Latina diz respeito às inovações mais recentes. Acho que há duas ilustrações, dois exemplos muito recentes de construção de espaços de integração na América Latina que merecem a nossa atenção. O primeiro deles é a UNASUL, ou seja, a União das Nações Sul-Americanas, processo que teve, digamos, uma iniciativa forte por parte do Brasil, do Brasil da política externa altiva e ativa de Celso Amorim e Lula da Silva, que resultou, em 2008, na criação de um espaço de concertação política – não se trata de integração regional, se trata de cooperação política entre os Estados que compõem a zona da América do Sul, então todos os Estados soberanos da América do Sul, salvo a França, fazem parte do bloco, do espaço, da organização chamada UNASUL, com uma série de conselhos que foram sendo gestados a partir de 2008 no campo da defesa, no campo das políticas de saúde, no campo da cultura, no campo da educação, e assim por diante. Esse é um espaço muito importante que mostra que, apesar da heterogeneidade dos modelos... vejam, na América do Sul nós temos países que fazem parte do Mercosul, da ALBA e da Aliança do Pacífico. Isso não impediu os países da América do Sul, embora façam parte de diferentes modelos de integração regional, inclusive de diferentes modelos de relação com os Estados Unidos da América, não impediu a esses países de em um dado momento da história se reunirem e concertarem politicamente em torno de temas considerados relevantes para uma nova realidade geográfica e política importante vejam bem, a América do Sul, e não mais exclusivamente a América Latina. Então, digamos, tem um deslize semântico, geográfico, e político, que é importante e que tem a ver evidentemente com a perda de liderança e de capacidade de ação do México na região em função da sua adesão ao Acordo de Livre Comércio da América do Norte. Então, o México integra o NAFTA em 94, o México passa a fazer parte da OCDE... Digamos que há um afastamento gradual do México em relação aos interesses políticos, econômicos latino-americanos, e o Brasil, na sua trajetória de emergência, sobretudo nos anos 2000, vai encontrar esse âmbito sul-americano digamos que um cenário geográfico de projeção das suas estratégias do ponto de vista econômico, de infraestrutura, de comércio, e também do ponto de visto político. Então eu acho que esse é um primeiro exemplo interessante. Vejam, a gente começou discutindo sobre não haver um modelo europeu, nós temos heterogeneidade e nós temos concertação política na América do Sul. Três modelos que, apesar das diferenças entre eles, convivem, coexistem dentro de um outro espaço de concertação e cooperação política que é a UNASUL. Finalmente, um outro exemplo que eu gostaria de dar diz respeito à fundação da Comunidade dos Estados da América Latina e do Caribe, a CELAC. A CELAC é a primeira experiência de estados latino-americanos, e aqui são todos os estados da América Latina e do Caribe, que se encontram em torno de cúpulas que são organizadas, com algumas organizações de conferências técnicas também, entre ministros e responsáveis de diferentes pastas ministeriais, sem a presença do Canadá e dos Estados Unidos. Ou seja, a CELAC ela integra Cuba, que não faz parte da OEA, a CELAC integra México, que faz parte do Nafta, a CELAC integra os três modelos – Aliança do Pacífico, ALBA e Mercosul –, e a CELAC integra a América do Sul com o Caribe, a América Central e o México em torno de uma plataforma de diálogo político entre as principais lideranças... Todos os estados latino americanos fazem parte da CELAC. Essa é uma, digamos, construção muito mais recente e que tem a ver com as mudanças que ocorreram na região nos primeiros anos do século XXI. Vai ficar o questionamento em torno da mudança da postura dos Estados Unidos em relação a Cuba, mudança muito recente, em que medida, a CELAC, vis-à-vis a OEA, permanece como um âmbito institucional, organizacional e político relevante, em que medida a OEA não voltaria a ocupar esse lugar que a CELAC tentou ocupar no início do século XXI com as mudanças geopoliticas mais recentes na politica externe norteamericana. Terceiro aspecto muito importante da construção dos espaços regionais na América Latina e nos países em desenvolvimento é o fato de que existem grupos e coalizões entre países que pertencem a regiões diferentes e também aproximações, negociações entre espaços regionais de regiões distintas. Então, eu gostaria de tratar desse aspecto nesse último bloco de questões sobre os espaços regionais na América Latina. Primeiro exemplo que pode ser lembrado diz respeito à política externa do governo Lula que é a criação em 2003 do grupo IBAS, também conhecido como IBSA – Índia, Brasil e África do Sul. Então, esse grupo é uma expressão muito clara de cooperação entre países de três regiões totalmente distintas – um país latino-americano, um país africano e um país asiático, três grandes democracias dos países em desenvolvimento, com importância estratégia, econômica nas suas respectivas regiões, que em um dado momento da história, em 2003, resolvem se associar e gerar uma série de processos de cooperação política, de cooperação econômica, de cooperação técnica em vários âmbitos. Nós poderíamos lembrar, por exemplo, a criação do fundo IBAS junto ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento que gera projetos de cooperação técnica, de cooperação para o desenvolvimento em países em desenvolvimento de renda baixa aonde esse fundo dos países IBAS (Brasil, Índia e África do Sul) aportam algum tipo de recursos, tanto financeiros quanto recursos técnicos, no campo da educação, no campo do desenvolvimento em geral. Mas o grupo IBAS, também conhecido como Fórum IBAS, ele é importante em outros aspectos – inclusive aspectos mais estratégicos. Existe um projeto de cooperação no campo da defesa entre Índia, Brasil e África do Sul – o chamado IBSAMAR, que reúne as marinhas dos três países em torno de exercícios no Atlântico Sul, no Índico Sul, a África do Sul desempenhando aqui um papel muito importante e estratégico de mediação entre os dois oceanos, existem projetos de cooperação no campo comercial e no campo econômico que também são muito relevantes para esse primeiro exemplo de cooperação inter-regional de países que vêm de diferentes regiões e que se iniciou em 2003. O segundo grupo, que talvez seja o mais conhecido em função do seu peso econômico, da sua relevância estratégica, é o chamado grupo BRICS, um grupo hoje bastante articulado, com encontros de cúpula... que já são vários os encontros de cúpula que foram organizados, vários encontros técnicos entre ministros de diferentes pastas, desde educação, passando pela saúde, passando pelo comércio e pelas finanças, inclusive do ponto de vista da defesa e em termos estratégicos também no âmbito do grupo BRICS, até a criação mais recente do novo banco do desenvolvimento, com sede em Xangai, na China, cuja primeira direção é assegurada pela Índia. Novo banco do desenvolvimento, recentemente criado, muito recentemente aprovou-se os primeiros projetos sendo financiados por este banco. Então, nós percebemos aqui um segundo exemplo de cooperação entre países de diferentes regiões, países que não têm uma larga tradição de cooperação, não se trata de cooperação e integração regional propriamente dita, mas é uma outra noção de região, uma região de contiguidade geográfica, não se trata de integração regional, mas de cooperação inter-regional de países oriundos de diferentes regiões do continente asiático, do continente africano e da América do Sul. É curioso e importante perceber que o grupo BRICS, quando teve o seu encontro em Durban, na África do Sul, os sul-africanos convidaram todos os países africanos por meio de um convite estendido à União Africana, para que os países africanos se juntassem numa reunião BRICS + União Africana. O mesmo procedimento ocorreu na Cúpula de Fortaleza, quando o Brasil convidou todos os países da UNASUL para se juntarem nos diálogo com o grupo BRICS... Então, o grupo BRICS também se propõe como uma plataforma de diálogo com outras regiões dos países em desenvolvimento. É evidente que nas relações internacionais contemporâneas, o grupo BRICS se coloca como um contraponto ao G7. Essa seria talvez a categoria antípoda mais clara se nós tivéssemos de pensar em uma categoria. Se trata de um conjunto de países insatisfeitos do ponto de vista geopolítico, do ponto de vista do reconhecimento do seu estatuto internacional nos contextos das agências financeiras, econômicas e políticas internacionais, que se reúne dentro de uma estratégia de contrapoder, de poder alternativo, formando inclusive instituições novas. É curioso notar que foi depois da fundação do novo banco de desenvolvimento do grupo BRICS, depois do lançamento pela China do Banco Asiático de Investimentos que o Congresso norte-americano resolveu finalmente aprovar a proposta de reforma das agências do sistema Bretton Woods, aumentando o poder decisório de países como China, Índia e Brasil. Até então havia uma relutância, uma resistência por parte do Congresso norte-americano no sentido de aprovar a reforma do sistema de Bretton Woods acordada, no entanto, em 2010, pelo presidente Barack Obama, com os cinco líderes dos cinco países do grupo BRICS. Então, é curioso a gente perceber essas movimentações políticas, estratégicas e econômicas do grupo BRICS em relação a países em desenvolvimento – regiões diferentes, no continente africano, no continente latino-americano, mas também na sua relação com as potências estabelecidas, sobretudo os Estados Unidos, mas também os países europeus. Outro exemplo de cooperação inter-regional ou de negociação em curso há mais de quinze anos é o processo de diálogo entre a União Europeia e o Mercosul, a tentativa de, com formação de um acordo de livre comércio entre os dois espaços, de difícil conclusão. Dos dois lados há resistências, há dificuldades, há falta de complementaridades do ponto de vista econômico que certamente tornam essa conclusão das negociações algo tão próximo do nosso horizonte nas semanas, meses, anos por vir. Mas é um outro exemplo de negociação inter-regional que existe. Gostaria de mencionar ainda duas outras ilustrações, dois outros exemplos de cooperação inter-regional, mas que estão muito vinculadas com a política externa brasileira dos anos 2003 até os dias de hoje, que são as Cúpulas ASA e as Cúpulas ASPA, como ficaram assim conhecidas no Brasil. Cúpulas ASA (América do Sul-África), Cúpulas ASPA (América do Sul-Países Árabes). Sob iniciativa do Brasil, interessante a gente perceber que há uma tentativa de aproximação entre países sul-americanos, os países que passaram a conformar a UNASUL a partir de 2008, e países africanos da União Africana e os países da região, os países árabes, em torno da Liga Árabe. Então, é interessante a gente perceber o Brasil no âmbito da sua chamada política externa ativa e altiva tentando articular a sua própria região, a América do Sul, numa plataforma de cooperação e diálogo com países africanos e países árabes. É evidente que são iniciativas importantes, porém ainda há muito para ser produzido no bojo dessas iniciativas para que nós possamos efetivamente, a partir dessas iniciativas, enxergar resultados mais concretos para além da iniciativa diplomática, para além das promessas que foram feitas nos diferentes encontros de cúpula que já tiveram lugar. Há muito ainda a ser construído do ponto de vista da concretude das articulações e das cooperações entre, de um lado, países da América do Sul e países árabes, e, por outro lado, países da América do Sul e países africanos.