Como enfrentar os novos conflitos internacionais (NCI)? Essa é a questão. Como lidar com eles? Como conter sua ameaça? Como tentar resolvê-los? Essas questões são muito complicadas e nem os atuais atores políticos nem os diplomatas são de fato capazes de trazer respostas sérias e novas para essas perguntas, e esse provavelmente é o motivo de não sermos realmente capazes de governar nosso novo mundo. Se há novos conflitos é porque há um novo tipo de violência internacional, não é mais uma violência clássica interestatal, política, mas uma violência internacional que está vindo das sociedades, que é produzida por atores sociais. Se quisermos analisar esses novos conflitos internacionais, ter uma nova visão e uma visão mais eficaz sobre esses conflitos, nós temos que dar prioridade aos parâmetros sociais e deixar de lado os parâmetros clássicos interestatais. Temos que voltar ao fator principal desses novos conflitos, isto é a falta de integração social. Essa nova violência ocorre onde a integração social é fraca, ocorre onde os indicadores de desenvolvimento humano são particularmente baixos. Se você comparar o mapa dos conflitos, dos novos conflitos, e o mapa de integração e de desenvolvimento humano, você verá a coincidência; você verá que as mesmas regiões estão em jogo. Então, temos que focar nessa falta de integração social, temos que entender por que existe uma integração social tão escassa, por que os vínculos sociais tradicionais não estão mais funcionando. O ponto principal é considerar que esses novos conflitos estão levando a sociedades de guerra, como eu mencionei brevemente em minha fala anterior. O que é uma sociedade de guerra? Uma sociedade de guerra é, primeiramente, uma sociedade na qual a guerra é permanente. Se você observar os conflitos atuais, você poderia imaginar que o conflito na República Democrática do Congo tem 55 anos? Que o conflito na Somália tem 30 anos? Que o conflito no Afeganistão tem 40 anos? Isso quer dizer que estamos diante de um novo tipo de conflito no qual as pessoas, a maior parte da população, nunca viveu em um contexto de paz, no qual as pessoas nasceram durante a guerra, cresceram durante a guerra e morreram durante a guerra. Isso quer dizer que a guerra está se tornando uma situação trivial da vida cotidiana. Essa é a primeira característica dos novos conflitos e da sociedade de guerra. Uma sociedade de guerra também é uma sociedade na qual a integração institucional é baixa, ou seja, uma sociedade em que o Estado não funciona, uma sociedade na qual o contrato social não funciona, uma sociedade destituída de autoridade estatal e que não tem um contrato social e tem que encontrar outras formas de autoridade. Em uma sociedade de guerra, os «senhores da guerra» e as milícias estão fornecendo a autoridade mínima que é necessária para uma que uma sociedade funcione e seja eficiente. O terceiro e mais importante aspecto é que uma sociedade de guerra é uma sociedade na qual as necessidades humanas são satisfeitas pela guerra, isto é: segurança alimentar, saúde, educação, vida social, respeito, e dignidade são oferecidos pela guerra. Isso parece ser um paradoxo, é um terrível paradoxo, mas como podemos explicar o sucesso da mobilização de crianças-soldado se não levarmos em conta esses fatores? Isso quer dizer que, se tantas crianças vão para as milícias, vão para o exército nesses novos conflitos internacionais, é porque elas sabem que poderão encontrar comida, encontrar abrigos, encontrar dignidade e respeito ao participar das milícias. Isso é uma situação terrível e espantosa, mas é, agora, uma situação comum. Isso quer dizer que essa sociedade de guerra está reorganizando as conexões sociais no mundo. A guerra está provendo a economia, a guerra está provendo a segurança social, a solidariedade social, a guerra está provendo status social, o que a sociedade tradicional atual não é capaz de fazer. É por isso que, agora, conter os novos conflitos internacionais implica substituir essas sociedades de guerra por sociedades civis reais. A pergunta é simples: como mudar de uma sociedade de guerra para uma sociedade civil? Como conter essas transformações das sociedades em sociedades de guerra? É através do uso de recursos militares? A experiência tem mostrado que o recurso militar não tem poder para conter essas transformações e, inclusive, que o recurso militar está piorando a situação. Se você mobilizar, se você usar, recursos militares contra a sociedades de guerra, você alimenta a sociedade de guerra, você reforça a sociedade de guerra. As sociedades de guerra são combatidas através de recursos militares para reforçar sua própria legitimidade e sua própria estrutura de autoridade. Então, os caminhos são duplos. Primeiro: reinventar a diplomacia. A diplomacia precisa inventar novos instrumentos, novas visões, novas visões que sejam capazes de incluir os parâmetros sociais ao invés de ignorá-los, e uma nova diplomacia que seja capaz de construir pontes com os atores não estatais, ao invés de decidir que não há maneira de dialogar com os atores não estatais. É exatamente o contrário. Como estamos diante de novos tipos de conflitos, nossa prioridade deve ser encontrar um caminho para construir relações com esses atores não estatais, para criar, iniciar, um novo tipo de negociação e de transação com eles. E o segundo caminho é considerar que os novos conflitos internacionais requerem tratamento social. Se o novo fator da guerra precisa ser encontrado na realidade social, a solução também precisa ser encontrada na realidade social. Isso significa dizer que é através de uma transformação dessas sociedades patológicas que temos a chance de encontrar uma solução, ou o começo de uma solução. Se a falta de integração social é o fator real dos novos conflitos internacionais, nós temos que trabalhar nas condições da integração social e achar um caminho para as novas condições de reinventar vínculos sociais, reinventar a sociedade civil social. É através dessa reinvenção da sociedade civil que seremos capazes de resolver essa tão terrível sequência de nossa história.