Olá, meu nome é Carlos Milani, sou professor e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, sou pesquisador do CNPq, trabalho no Brasil desde 2002. Antes disso, eu vivi durante dez anos aqui na França, onde trabalhei e colaborei com o Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po), e a colaboração que hoje existe entre a minha universidade e Sciences Po, por exemplo no âmbito desse MOOC Espaço Mundial Perspectivas França-Brasil, na verdade ela é tributária de uma já ampla trajetória de pesquisa, de colaboração em projetos... Por exemplo, durante o ano do Brasil na França, em 2005, tivemos várias colaborações... Durante o ano da França no Brasil, em 2009, novamente fizemos vários projetos de cooperação. Então, é um prazer estar aqui, fazer parte desse projeto juntamente com os professores franceses, juntamente com o Instituto de Estudos Políticos de Paris. Os últimos projetos de cooperação que nós tivemos entre Sciences Po e a minha universidade resultou na publicação do Atlas da Política Externa Brasileira, que já foi traduzido para outros idiomas, e que é, digamos, um resultado muito concreto também dessa cooperação importante que nós temos entre as duas instituições. Feitas essas primeiras apresentações um pouco mais protocolares, eu queria entrar mais no tema do próprio curso – Espaço Mundial Perspectivas França-Brasil. O que significaria para nós, brasileiros, olharmos o mundo a partir do Sul, geral, e a partir do Brasil, em particular? Em primeiro lugar, um dos objetos desse curso que é montado em parceria pelos franceses e por nós mesmos é olhar a ordem mundial como muito mais do que um conjunto de Estados soberanos. Evidente que, quando olhamos para a ordem mundial hoje, ainda enxergamos um mundo e um mapa mundi coberto por Estados soberanos. Isso segue sendo evidentemente muito importante. Mas, além de uma ordem mundial composta por Estados soberanos, há uma série de novos atores, de operadores econômicos, grandes cooperações, movimentos sociais transnacionais, ONGs de Direitos Humanos, ambientalistas, enfim, vários setores nos quais a sociedade civil se organiza também transnacionalmente a fim de promover as suas bandeiras, de defender a luta contra a pobreza, a redução das desigualdades, entre outros campos. Ou seja, o mundo é um mundo anárquico, mas para nós, na perspectiva do Sul e na perspectiva, em particular, do Brasil, é muito importante colocar uma ênfase, para além de anarquia, para além de um mundo de Estados soberanos, essa ordem internacional ela é também profundamente marcada por assimetrias nas relações de poder entre os mais diferentes atores e agentes das relações internacionais. É claro, assimetrias nas relações de poder entre os Estados, alguns fazem parte de um processo decisório com um estatuto diferenciado – basta vermos no âmbito das Nações Unidas, por exemplo, o Conselho de Segurança; há membros permanentes e há membros que são eleitos por um mandato de dois anos com possibilidade de renovação; há membros que têm direito de veto, outros que não têm direito de veto; ou seja, a assimetria e a hierarquia que integra a ordem internacional também se reflete nas relações entre os Estados. Mas, para além disso, essa ordem internacional ela é profundamente assimétrica e desigual na forma como se organizam as próprias organizações não governamentais, na forma como têm mais ou menos capacidade de ação internacional as empresas e os entes privados dos diferentes países. Então, esse é um dado para se pensar o espaço mundial e a necessidade de territorializar os fenômenos internacionais, que me parece uma abordagem muito pertinente para se entrar no campo das relações internacionais de um modo menos tradicional e clássico, na perspectiva do Sul geopolítico, na perspectiva brasileira, que é a perspectiva que eu vou aqui ilustrar quanto/no ambito das aulas e dos cursos sobre determinados temas que eu vou dar, vou ministrar aqui com vocês, é importante assinalar esse aspecto: a ordem internacional é assimétrica e é desigual. Ser do Sul tem implicações. Falar a partir do Brasil, olhar o mundo a partir do Brasil muda o modo como nós enxergamos a ordem internacional, a forma como ela está organizada, o seu processo decisório, a distribuição dos recursos, sejam eles recursos materiais de poder, sejam eles recursos imateriais, simbólicos, ideacionais de poder. Então, aspecto importante desse espaço mundial visto do sul: uma ordem mundial desigual e assimétrica. Se vocês preferirem, eu poderia falar que existe uma economia política fundada na desigualdade das relações norte-sul. Elas permanecem. É claro que o Norte é heterogêneo, assim como o Sul, também ele próprio, é heterogêneo, ou seja, existem assimetrias entre os próprios países do norte – basta comparamos o PIB dos Estados Unidos com o PIB da Bélgica, por exemplo –, assim como existem assimetrias entre os países do Sul nas relações entre Brasil e Bolívia, África do Sul e Zimbábue, Índia e Bangladesh. Ou seja, o Sul, e os importantes países importantes do Sul, nas suas distintas regiões, também têm relações assimétricas com os seus próprios vizinhos. Eu acho que esse é um elemento de heterogeneidade e de assimetria que é comum aos dois conjuntos - o Norte e o Sul. Mas o ponto que eu gostaria de defender aqui no argumento é de que permanecem diferenças com relação aos poderes estabelecidos de quem, dos países e das sociedades e dos operadores econômicos que se encontram no Norte e que se encontram no Sul. Então, o olhar que eu vou trazer para o curso Espaço Mundial Perspectivas França-Brasil, é um olhar do Sul, é um olhar do Brasil, tentando entender e definir ao longo dessas nossas aulas, desses nossos encontros, o que seria uma categoria do Sul geopolítico. Um outro aspecto que eu acho importante de sinalizar é que evidentemente, em se tratando de espaço mundial, a noção de territorialização, espacializar, territorializar os fenômenos é um procedimento teórico-metodológico fundamental, porque nos remete a necessidade de uma démarche empírica, propriamente sociológica na abordagem das relações internacionais, e não somente fundamentada num debate teórico, filosófico, que tem a sua importância, mas, digamos que a preocupação é muito mais de ir ao campo, onde se encontram os atores, os agentes, onde as relações de poder tomam corpo, em torno de problemas muito concretos, como os problemas relativos às mudanças climáticas, os problemas relativos ao acesso a tecnologias, os problemas relativos à produção de conhecimento, entre outros. Então, espacializar é uma démarche metodológica muito importante dentro de tudo que a gente vai estar discutindo e em torno de todos os aspectos que a gente vai estar dialogando aqui nesse curso. Essa espacialização ela é importante também porque ela nos permite no próprio campo, no próprio terreno concreto das relações internacionais, enxergar muitas outras dinâmicas políticas, sociais, culturais e econômicas, e um número muito mais ampliado, mais abrangente de atores e agentes das relaçoes internacionais. Ou seja, essa ida ao terreno, essa espacialização dos fenômenos, nos permite enxergar uma pluralidade de atores, uma pluralidade de agentes internacionais, e acaba por trazer o internacional, o global, que aparentemente é muito distante da realidade cotidiana dos indivíduos para muito mais perto da vida, da economia, das relações sociais, das relações culturais. Então, esse é um outro aspecto – além da definição do que seria a ordem internacional vista pelo sul, essa ideia de espacialização e pluralidade dos atores e dos agentes das relações internacionais. Agora, é claro que, olhando, mais uma vez, o espaço mundial a partir do Sul, as relações internacionais não se territorializam da mesma forma. Nós poderíamos até pensar nas representações cartográficas do mundo. Vocês olham para um mapa e às vezes a Europa está no centro, ou a Europa está maior numa representação cartográfica. Então, pensar a espacialização, a territorialização também implica tomarmos decisões com relação a que tipo de territórios são construídos e como esses territórios são representados, socialmente representados, por exemplo, numa cartografia temática. Os processos são distintos para os Estados, os processos são distintos para as corporações internacionais, e são ainda mais diferenciados para as ONGs, para os movimentos sociais. Houve um momento determinado, lá nos anos 90, final dos anos 80, início dos anos 90, que coincide com o final da ordem da Guerra Fria, em que se expandiu uma crença generalizada de que os processos de globalização viriam, por assim dizer, uniformizar, harmonizar e homogeneizar os diferentes processos contextuais locais. Hoje a gente percebe que essa realidade é muito mais complexa, e a démarche desse curso – Espaço Mundial – nos convida justamente a isso: a olhar para os processos na sua diferenciação, tanto no sul quanto no norte, olhar para os processos nas suas distinções de acordo com os atores que estão em jogo nas relações internacionais. E eu espero que, diante dessa breve introdução, vocês tenham o interesse e a curiosidade de assistir às distintas aulas que são ministradas pelos professores tanto da França quanto do Brasil em torno dessa categoria mais ampla que nós chamamos aqui de espaço mundial.