E agora, como podemos medir o poder? Essa é uma questão importante e crucial nos nossos estudos. Nesse sentido, se o conceito de poder é tão importante, se é o pilar da ordem internacional, nós precisamos mensurá-lo, nós devemos ter uma forma precisa de medi-lo. E, se é possível, nós devemos tentar construir um tipo de hierarquia entre as potências, ou hierarquia de Estados, de acordo com o seu próprio poder. Mas como classificar? Essa é uma questão muito difícil que é objeto de dissenso nas relações internacionais. Nós realmente podemos definir uma forma objetiva de medir o poder? Bom, a forma mais fácil é dizer que quem detém o poder é o ganhador. Nós temos que observar a competição internacional e decidir que o vencedor, provavelmente, será o mais poderoso. Mas isso está claro hoje em dia? Quando nós observamos, por exemplo, que as guerras não são vencidas pelos jogadores, pelos atores que estão participando, isso se torna uma questão muito complicada, pois não há mais a clara vitória nas guerras contemporâneas. Então, é difícil usar esse tipo de medida. Outro problema: nós consideramos os fatores ou as marcas do poder? Um fator de poder, teoricamente, é uma causa do poder. Um marcador de poder, teoricamente, nos dá uma medida sem considerar a causa. O problema não é fácil de ser resolvido, pois antes, todos os observadores tinham o mesmo indicador, ou seja, a capacidade militar. No mundo vestifaliano a competição chegou ao ápice quando os Estados estavam em guerra, e suas capacidades militares supostamente lhes dariam a exata medida de seus poderes. É por isso que muitos analistas usam despesas militares como uma forma de medir poder. Se nós seguirmos essa visão, fica bem evidente que os EUA, por exemplo, são o Estado mais poderoso de todos, visto que as despesas dos EUA representam aproximadamente 43% dos gastos militares do mundo. E todos os outros Estados competidores estão muito atrás desse primeiro lugar que é claramente ocupado pelos EUA. Mas a questão agora é: qual é a exata capacidade de poder do aparato militar? Será o aparato militar um instrumento capaz de decidir como medimos o poder hoje, quando olhamos, por exemplo, que o Estado mais poderoso, o superpoder dos EUA, foi derrotado no Vietnã por um competidor mais fraco? Quando nós observamos que no Iraque, no Afeganistão, na Somália, o poder militar dos EUA não foi capaz de levá-los a uma vitória evidente? E o segundo problema é que os gastos militares dependem da capacidade econômica do Estado. Deste modo, nós podemos olhar para o outro lado, mudar para outra visão, que considera que a real base do poder não é o poder militar, mas o poder econômico, porque sem poder econômico, não é possível ter poder militar. Deste modo, poder econômico pode ser considerado como um substituto do poder militar, e é por isso que quando levamos em conta a hierarquia de gastos militares, alguns países ricos como Arábia Saudita ou Omã estão situados no topo da hierarquia. Mas agora, se nós considerarmos o poder econômico, o que isso quer dizer? Normalmente, nós usamos um indicador muito famoso que é o PIB, o produto interno bruto. Olhando para o PIB, fica claro que os EUA são os primeiros colocados, com um PIB entorno de 17 bilhões de dólares. A China aparece hoje no segundo lugar dessa classificação, o Japão é o terceiro, a Alemanha é o quarto e assim em diante. Mas nós sabemos que o PIB não é um indicador muito claro, e a primeira questão é: qual é a capacidade do PIB? É por isso que as pessoas incluem uma variável secundária que é a capacidade de comprar poder comparativamente. Afinal, com um dólar nos EUA e um dólar na China, nós não é possível comprar as mesmas coisas, e, deste modo, o poder aquisitivo de um dólar não é a mesma, é diferente em cada país. Então, nós podemos redefinir o PIB só com essa correção? E isso nos leva a outra questão, se nós levarmos em consideração o poder econômico, temos que diferenciar entre o poder financeiro e o poder comercial, e isso é outra visão do poder no nosso mundo contemporâneo. Se nós levarmos em consideração, por exemplo, o poder comercial, a União Européia é a primeira e os EUA, o segundo, mas tanto os EUA como a União Européia são claramente e diretamente desafiados pelo poder comercial chinês e, nesse sentido, a distribuição de poderes é outra. Podemos levar em consideração outro possível indicador que seria o poder tecnológico. Poder tecnológico é medido, atualmente, pelo número de pesquisadores por número de habitantes em cada país. Deste modo, a distinção e a distribuição de hierarquia de poder será diferente. O Japão, por exemplo, tem um grande número de pesquisadores por habitantes que é muito mais importante que nos EUA e que na União Européia, por isso, nós teremos outra ordem de classificação. Se agora nós mobilizarmos outros indicadores, nós temos diferentes e novos resultados, por exemplo, demografia. Qual é a capacidade de poder de uma grande demografia quando nós sabemos, por exemplo, que a demografia na África está aumentando e está dando um papel para África que será bem diferente daqui há 20-30 anos? Qual é a real capacidade da demografia por reestruturar e remodelar a classificação do poder no mundo? Por exemplo, por se tornarem membros permanentes do Conselho de Segurança, muitos países pretendem levar em consideração o número de seus habitantes e o Paquistão, com mais de 160 milhões de pessoas, considera que, por causa disso, deve ser considerado uma potência. O mesmo pode ser dito da Nigéria na África e do Brasil na América Latina e assim por diante. E o que acontece com a capacidade territorial? Será que um grande, um vasto território é capaz de criar um poder? A Russia já foi considerada poderosa porque detinha um grande território, e depois, Susan Strange apontou como a dimensão territorial poder ser um problema, como o tamanho do território pode ser uma desvantagem, um obstáculo para o poder ao invés de um facilitador de poder. Agora, se considerarmos, por exemplo, que alguns países muito pobres tem um grande território, como a República Democrática do Congo na África, ou no Sudão na África e outros, então a capacidade de análise desse indicador é turva. Diante disso, devemos considerar novas visões e também novos indicadores de poder que não eram usados anteriormente, mas que estão sendo cada vez mais considerados no atual mundo global: a capacidade cultural, ou seja, a capacidade de usar os recursos culturais para conseguir um papel dentro da arena internacional. O papel da língua inglesa, por exemplo, é um vetor de poder, mas nós temos que levar também em consideração fontes religiosas de poder. A religião é considerada cada vez mais como um fator ativo, como um ativo recurso de poder. Na Arábia Saudíta, no Irã, por exemplo, eles usam as próprias especificidades religiosas como fatores de poder e são recursos de poder muito frutíferos. Mas no nosso novo mundo da comunicação, redes de contatos também são um recurso de poder, e se um Estado ou um ator não estatal são capazes de mobilzar contatos transnacionais muito ativos, eles têm em suas mãos uma capacidade de poder, que desafia a visão clássica de poder. Se nós observarmos a atual arena internacional, será que o poder militar é capaz de conter e se equiparar ao poder religioso? Nós devemos imaginar que existe algo novo, que nós temos que usá-lo como uma emenda à tradicional teoria das RI’s. É que é por isso que o poder não é tão claro como foi ou como parece ser.