Agora vamos considerar o cristianismo e a política. É claro que é impossível falar do cristianismo como um tipo singular. O Cristianismo é feito de diferentes tipos de cristianismo, e eu gostaria de sublinhar a oposição entre o cristianismo romano e o cristianismo protestante, a "Reforma". Se levarmos em conta a Igreja católica romana, observa-se que este tipo de religião é provavelmente a mais centralizada, e esta centralização muito forte tem raízes históricas, teológicas e culturais que temos que levar em conta, e que explica o papel desempenhado pelo catolicismo romano na formação e organização do mundo em dar significado às relações políticas. A Igreja católica romana é fortemente centralizada ao passo que o protestantismo e também o cristianismo ortodoxo são muito mais descentralizados, e por isso mais perto das nações, quando a Igreja católica romana deve ser considerada como uma verdadeira organização transnacional. A Igreja católica romana tem que ser analisada como centralizada por causa dessa delegação dada por Jesus a Pedro: "Tu és Pedro e sobre esta pedra eu edificarei a minha igreja', isto significa claramente que a Igreja está representando Deus na Terra, e beneficia-se de uma verdadeira e legítima delegação. Esta delegação dá autoridade ao Papa e cria uma organização centralizada que é considerada como a delegação de Deus. Esta organização centralizada é legítima para dispensar sacramentos, para distribuir a salvação e dispensar sacramentos e salvação em nome de Deus. Você pode encontrar aqui a primeira faixa desta cultura da delegação que está profundamente enraizada na história ocidental. Esta centralização em torno do Papa, com o sucessor de Pedro, o primeiro Papa que foi delegado por Jesus, esta centralidade é provavelmente a primeira inspiração do modelo de Estado-nação. Esta concepção de uma ordem centralizada em torno da legitimidade, é provavelmente o pano de fundo, o pano de fundo cultural do Estado-nação. E, de fato podemos observar na história que o Estado-nação que imitou a Igreja católica romana quando foi construído no final da Idade Média. Se você levar em conta, por exemplo a administração local do Estado, é uma cópia da administração local da Igreja. Se você levar em conta as instituições judiciais do Estado, é uma cópia das instituições judiciais da Igreja. Se você levar em conta a concepção de soberania, soberania papal, essa concepção de soberania papal inspirou, influenciou, a concepção da soberania do Estado. Se você levar em conta a administração tributária do Estado foi também uma imitação da administração tributária da Igreja. Existe uma afinidade, uma semelhança muito forte, uma imitação entre esta concepção original da religião em torno da Igreja centralizada e esta concepção política de centralização em torno do Estado e dos construtores do Estado. Agora, um outro aspecto dessa concepção de centralidade é a ausência do protesto, existe, na Igreja centralizada não há espaço para o protesto, e para a expressão da divergência de opiniões. Nós podemos entender como era difícil combinar a teoria da democracia com a teoria da Igreja, e até mesmo o Papa João Paulo II destacou que a teoria da democracia não tem espaço dentro da Igreja. E é por isso que uma das testemunhas da Igreja católica romana não é capaz de levar em conta a diversidade de opiniões e de sensibilidades dentro da Igreja. Se, por exemplo na América Latina, o cristianismo não é concebido da mesma maneira como na Europa, não há nenhuma possibilidade dentro desta centralização para fazer essas duas opiniões coexistirem dentro da organização católica romana. Terceiro aspecto: quando uma Igreja tão centralizada foi criada, foi construída, havia uma forte possibilidade de rivalidade com o poder político. Como conceber essa divisão do trabalho entre religião e política, entre a Igreja e o Estado? E vocês sabem que essa rivalidade inicial Entre a Igreja e o Estado gerou o processo de criação do Estado. O Estado, o Estado ocidental foi criado Pela tentativa de se emancipar da tutela do Papa e da Igreja. Essa dualidade - a Igreja e o Estado - é uma característica original da cultura católica romana, dentro do mundo ocidental e explica a especificidade do Estado ocidental. Eu também irei adicionar um último ponto, que é, provavelmente, fortemente conectado à história católica romana, é a concepção de representação e delegação, isso significa dizer que a criação da Igreja católica romana é proveniente desta famosa frase que eu defini no início da minha palestra, quando eu expliquei que Jesus considerou Pedro como seu representante na terra, e Jesus, quando disse a Pedro "Tu és Pedro e sobre esta pedra Eu edificarei a minha Igreja' ele quis dizer que a ação política, o jogo político dentro do mundo ocidental foram moldados por essa concepção de delegação. Deus delegou seu filho à Terra e seu filho Jesus delegou a Pedro: e, em seguida, Pedro como um Papa, delegou ao bispo e esta pirâmide da delegação é provavelmente a marca principal do cristianismo na ordem política, isto significa dizer, inventar essa concepção de representação, representação legítima que não é aceita em outras religiões como o islamismo. E uma das razões das principais diferenças entre o Islã e o Cristianismo ocorre nessa forte oposição entre a cultura da delegação como na cultura romana e cultura de não delegação como veremos sobre o Islã. Agora, se formos para a Reforma, estamos observando algo completamente diferente. Não se esqueçam que a Reforma foi criada, inventada durante o século XVI como um protesto contra a Igreja, o Papa e uma centralização excessiva. É por isso que a Reforma foi antes de tudo um tipo de rebelião contra o poder centralizado, contra a delegação, e contra o Estado, como o Estado absolutista como era durante este período. E isso implicou algo novo e muito importante para renovar a cultura ocidental, isso significa dizer que se o Estado é contestado, se o Estado é deslegitimado, então temos que voltar aos indivíduos, e a reforma está iniciando um novo tipo de relação que é uma relação direta entre as pessoas e Deus, e esta relação direta é agora organizada não pelo Estado, mas pela lei. E isso está forçando o novo papel da cultura de direito, que é proveniente da Reforma como oposto à cultura do Estado tal como ele é proveniente da Igreja católica romana. Portanto, neste modelo descentralizado dizemos que existe agora um espaço para a diferenciação de opiniões, para o debate, já que a Igreja protestante é descentralizada e assim é capaz de expressar essa diversidade, a Reforma está também estimulando o individualismo e assume um lugar central, pela primeira vez na história, para o indivíduo dentro da sociedade e dentro do sistema político, um tipo de desconfiança à centralização, ao poder central e ao Estado e uma espécie de valorização da sociedade civil contra o Estado. Os indivíduos são associados e como estão associados na nova Igreja descentralizada, e esta associação é provavelmente o ponto de partida desta cultura da sociedade civil que terá lugar quando a Reforma foi realmente enraizada na mente das pessoas, na cultura das pessoas. E, finalmente, eu diria que isso também está iniciando um novo tipo de relações entre política e religião, que são muito mais combinados, como é o caso na Inglaterra e na cultura americana, que são bastante diferentes da cultura de laicidade que podemos observar na cultura romana.