A visão tradicional européia da guerra foi cunhada e definida por Carl von Clausewitz no início do século XIX em seu livro muito famoso <i>Da Guerra</i>, no qual ele explica que a guerra é um instrumento, um instrumento da política, um instrumento do Estado. Esse conceito central de guerra é agora questionado e essa forma de questionar a guerra, essa forma de levar em consideração novas formas de conflito, está abrindo caminho para uma nova visão de conflitos internacionais, dos novos conflitos. Mary Kaldor foi uma das primeiras acadêmicas a apontar estes novos conflitos internacionais em seu famoso livro <i>Guerras Novas, Guerras Velhas</i>. Mary Kaldor observou que as novas guerras são muito diferentes das anteriores, das guerras européias que descrevi, em meu trabalho anterior. Nós precisamos cunhar um novo conceito, e temos que definir e elaborar uma nova sociologia que devemos chamar de novos conflitos internacionais. O que é um novo conflito internacional? Se considerarmos a pesquisa feita pelo PRIO, o famoso centro de pesquisa de Oslo, nós sabemos que, das 416 guerras que ocorreram desde 1946, 382 foram Intraestatais, 63, somente 63 guerras foram Interestatais, e 21 foram guerras extraextatais, ou seja, guerras coloniais ou pós-coloniais. Essa dominação dos conflitos Intraestatais renova totalmente a visão e a concepção que tínhamos em nossa cultura européia de guerra. A principal diferença é que agora, se olharmos para as guerras recentes, as guerras não estão sendo travadas entre poderes, mas essencialmente, principalmente, entre os Estados mais fracos. Isso é um paradoxo muito forte. Na visão de Hobbes, a guerra era uma questão de poder, somente os atores poderosos eram aqueles que lutavam entre si, era como se fosse uma competição entre poderes. Agora as potências não competem mais, ou não competem mais diretamente, mas as guerras de agora estão ocorrendo nas zonas mais pobres do mundo. Isso é uma grande transformação. Se considerarmos estes conflitos, que ocorreram depois de 1945, pois 75% deles estão localizados no sul da Ásia, no Oriente Médio e no África. Pela primeira vez na história mundial, quero dizer desde Vestfália, a Europa não é mais o campo de batalha do mundo. Eu não tenho certeza se os atores e observadores realmente estão considerando esta grande transformação. Os europeus não perceberam que eles não estão mais no centro das guerras, que eles não são mais o campo de batalha do mundo. Eles estavam acostumados com a idéia de que a guerra estava ocorrendo dentro de casa, agora a guerra não está mais em casa, a guerra está longe da Europa, e não se tem mais certeza de que será possível gerenciar e organizar as guerras que não ocorrem dentro do continente europeu, como foi o caso anterior. Então, através da geografia, dos mapas, podemos ver a realidade e a profundidade dessas transformações. Mas por trás dessas novas localidades, temos que levar em consideração um novo contexto e um novo perfil de guerra. Novo contexto: primeiramente, estamos em um mundo que é profundamente afetado por uma forte diversidade de recursos de poder. Recursos militares não são mais as fontes exclusivas de poder, como foi o caso durante o século XIX, ou no século XX. Não só isso, os recursos militares não são mais os recursos mais eficientes. Segunda transformação de contexto: mudança de valores. A Guerra não é mais uma fonte de prestígio como fora anteriormente. A guerra era considerada como o maior símbolo da aristocracia, como algo nobre, o que não é mais o caso. As novas gerações e as novas socializações transformaram a ideia da guerra, que não é mais considerada como uma fonte de prestígio mas uma fonte de drama. Terceira transformação: mudança na legitimidade. A guerra era financiada na simples concepção de que, na arena internacional, a violência de um Estado era uma violência legítima, enquanto que uma violência não estatal era considerada como uma violência ilegítima. Atualmente isso está claro? Uma vez que durante a Segunda Guerra Mundial houve uma resistência que foi ativada por atores não estatais. A Resistência foi feita na França por atores não estatais, mas foi considerada muito mais legítima do que a violência usada pelo Estado alemão. Essa nova confusão entre violência do Estado e não estatal está deixando turva a distinção. E então, a visão simples de que o Estado, quando age com violência na arena internacional é legítimo, não funciona mais como antigamente. Quarta transformação: a mudança no instrumento militar. Desde 1945 o mundo, o novo mundo foi dominado por armas nucleares. As armas nucleares não possuem o mesmo papel do que as outras armas convencionais. E as armas nucleares introduziram a concepção de que o poder não possui a capacidade de dominar, mas a capacidade de destruir, o que não é a mesma coisa. E a capacidade de destruir é tão terrível, tão horrível, que a guerra foi considerada como algo impossível no antigo continente, assim como a guerra nucler foi considerada como totalmente irracional, e logicamente impossível. O último ponto é que estamos agora em um mundo no qual não há mais vitória no final das guerras. As guerras agora se desenvolvem sem uma chance real de vitória para os participantes. Segundo as pesquisas PRIO, podemos agora estabelecer que somente 13% das guerras, pós-1945 tiveram uma real e evidente vitória. Esse é o novo contexto. Mas os novos conflitos internacionais também estão presos a um novo perfil de guerra. O que isso significa? Dos novos atores, dos novos propósitos e um novo papel para os civis. Novos atores: os jogadores principais nos novos conflitos internacionais não são mais Estados, mas sim atores não-estatais, os atores não-estatais que são organizados através de milícias. Ou seja, não encontramos nas guerras, os Estados ou os exércitos, mas sim milícias, chefes de guerra e dos empresários da violência. Podemos dizer que são atores que não possuem mais a mesma racionalidade dos atores estatais. Os empresários da violência são muito mais inflexíveis nas negociações, porque eles não tem nenhum interesse em negociar. Se eles negociarem, eles deixam de ser o que são, eles deixam de ser os senhores da guerra. Os senhores da guerra precisam de guerra para sobreviver, enquanto Estados não necessitam da guerra para isso. Mas às vezes a paz é muito mais atrativa para os Estados do que a guerra, não é o caso dos senhores da guerra e dos empresários da violência. Nessas novas formas de mobilização, identidade, e mesmo ódio, desempenham um papel principal, muito mais importante do que interesse nacional. As guerras antigas estavam conectadas aos interesses nacionais, enquanto as novas guerras são conectadas à identidade e ao ódio. As novas guerras estão mobilizando novos setores da sociedade civil e, especialmente, esse terrível fenômeno de crianças soldados. Nós sabemos que agora existem entre 300.000 e 500.000 crianças soldados, que estão envolvidas em novos conflitos, portanto às vezes constituem a maior parte dessas milícias. As crianças soldados estão vindo de sociedades, que são incapazes de lhes prover o mínimo de segurança, comida, saúde, educação. Portanto, eles encontram nas milícias e nos novos conflitos os principais recursos que eles precisam para sobreviver. Novos atores, mas também novos propósitos. Novos propósitos significam que ao invés de competição entre os interesses nacionais, estamos enfrentando uma situação na qual a maior causa do conflito se encontra na crise do contrato social, no colapso do Estado, no colapso das Nações. Ou seja, o novo propósito não é competição, mas a substituição; não é mais a competição entre os Estados, mas a substituição do Estado, do Estado que é falho e que está em colapso. A falta de integração é o principal fator da guerra, e, portanto, a falta da integração social está definindo a situação na qual a guerra deve ser considerada como um propósito da guerra. Ou seja, estamos entrando em um mundo, que pode ser considerado como a sociedade da guerra, um mundo feito de sociedades da guerra. O que é uma sociedade da guerra? É uma sociedade em qual os indivíduos acham na guerra a principal forma de sobreviver. E é, por isso, que é o terceiro fator nos novos conflitos internacionais. Civis estão agora no centro desses conflitos e desempenham um papel que é muito mais importante do que o papel desempenhando pelos militares. Então esses novos conflitos internacionais estão rediferenciando o exército e os civis. A sociedade da guerra é provavelmente um dos destinos mais dolorosos desses novos conflitos internacionais e essas novas figuras dos conflitos mundiais.