Vamos começar este MOOC sobre o Espace Mondial considerando o território. O que significa o termo território? Território possui muitas funções. A primeira é sustentar uma ordem política. A segunda é dar suporte a uma população. E a terceira é dar suporte a recursos materiais, e, particularmente, para alimentar pessoas ao redor do mundo. Vamos começar pela primeira função, que quer dizer dar forma, estruturando uma ordem política. Nós temos que, então, levar em conta a extrema diversidade de territórios, e ter em mente, o que considero como o principal argumento, que nossa visão territorial a qual foi moldada pela história europeia e ocidental, não corresponde a todas as histórias ao redor do mundo. E esta é provavelmente uma das principais origens das tensões que nós podemos ter ao redor do mundo, e, claro, os conflitos, os ‘novos conflitos internacionais’ que infelizmente vieram à tona ao redor do mundo. Por essa razão, ou seja, por causa dessa diversidade, território deve ser considerado como uma fonte de desigualdades, de tensões, de conflitos. Eu gosto de começar com a famosa e bem conhecida definição dada por Robert Sack, quando ele considera território não como um sinônimo de espaço, claro, mas como um intrumento político. De fato, território é um instrumento político, que é usado por governos para controlar uma população, e particularmente para delimitar e definir fronteiras. Como vocês sabem, o território é um modo particular de construir política. Eu quero falar para vocês que esta construção territorial da política não se aplica a todos os tipos de política ao redor do mundo e, especialmente, na história. O Império não corresponde a esta visão de espaço. Um Império não tem realmente um território, porque um Império não é delimitado por uma fronteira estrita como um Estado-nação. E é por isso que este é o primeiro conflito que devemos levar em conta neste momento, tantos Impérios antigos conheceram tantas dificuldades para se tornarem integrados na presente ordem mundial. Se você considerar Rússia, China, estes dois Estados são antigos Impérios e conhecem tantas dificuldades para serem integrados dentro dessa ordem mundial interestatal. Esse é o problema do Cáucaso, o problema da Ucrânia, bem conhecido atualmente. Mas ele é também o problema dos Bálcãs, e, para a China, o problema do Tibet, o problema de Xinjiang e também o problema da relação entre China e Vietnã, China e Mongólia, China e Coréia. Se você levar em conta, por um instante, sistemas tribais e, especialmente, sistemas nômades. Sistemas nômades não cabem na definição de território de Sack, e é por isso que algumas pessoas na África, como os Tuaregues no Sahel, conhecem muitas dificuldades para sua integração na territorialidade do Estado-nação desta região do mundo. E esta é provavelmente uma das principais rotas dos conflitos sangrentos que nós temos observado no Sahel. É por isso que Estado-nação é o único produto real dessa territorializaçao da política, é por isso que a história europeia é uma exceção que pode ser claramente separada, inclusive da experiência americana na qual os limites e as fronteiras não têm o mesmo significado. E é por isso que a Europa também é caracterizada por uma história muito fragmentada e por esta pluralidade e esta competição entre pequenos ou muito pequenos Estados-nação. Mas o problema nisso, se consideramos que a territorialização da política é algo excepcional, é algo, eu diria, de natureza histórica, é que nós podemos considerar que, primeiro : há um real problema em como construir essa territorização da política. E o segundo problema : como saber o que se passa depois ? E nós podemos considerar que esta territorialização da política, que desempenhou tal papel na história europeia, não é eterna e pode ser requestionada, reconsiderada. A primeira questão é : o que acontece com a construção desta territorialização da política ? E é neste nível que temos de distinguir entre dois tipos de construção da nação : o território é anterior ou posterior à nação ? Se for anterior, isso quer dizer que o território forma a nação. Se é posterior, isso significa que a nação formata o território. O primeiro tipo corresponde à história francesa de construção nacional, na qual, precisamente, os primeiros centros dinásticos contruíram progressivamente, e passo a passo, um Estado com um território, e as pessoas que vivem neste território pertencem, são chamadas a pertencer, a estarem comprometidas com a mesma nação. A nação origina-se do território. E é dessa visão que vem o famoso “<i>jus soli</i>”, em que território atribui cidadania aos indivíduos que precisamente nascem neste território. Na segunda visão, que é chamada de visão romântica da nação, ou às vezes equiparada à história alemã, nação é primeiro uma ideia, nação é criada a partir de uma cultura definida como algo que produz uma coletividade, uma nação. A nação alemã, como uma ideia, existia antes do Estado-nação alemão. E toda a dinâmica da história alemã foi para territorializar esta nação, e é por isso que a Alemanha conheceu tantas dificuldades para se tornar unida e para criar um Estado-nação alemão. Vocês entendem que o risco desta segunda opção é a limpeza étnica ou talvez até mesmo o genocídio como foi o caso na história alemã. É por isso que o primeiro modelo tem provavelmente sido considerado como o mais funcional. E é esta visão territorial de nação que prevalece atualmente e que foi considerada como um modelo para construir Estados-nação em todos os lugares do mundo. Mas a questão é saber se é possível exportar esta visão de territorialização da política ? E isto me leva à segunda questão, que é saber se a territorialização da política é algo eterno ? Minha resposta é claramente não. Esta visão de território está sendo agora claramente contestada e questionada, tanto na tradição, quanto na modernidade. Na tradição, como eu mencionei, muitas histórias, muitos tipos de sociedades e culturas não aceitam esta visão de territorialização da política, e é por esta razão que os Estados-nação estão em colapso em tantos países africanos. A renovação dos compromissos tribais, étnicos e religiosos é muito importante e emerge como um fator de desafio para esta visão ocidental europeia da política. Mas a modernidade também contesta esta construção. O território é um instrumento tão eficiente atualmente ? Os limites estão funcionando como eles funcionaram durante séculos ou até há algumas décadas? Agora os limites podem ser transgredidos, os limites podem ser ignorados. E com a modernidade, com a globalização, nós observamos tantos modos de ignorar fronteiras para construir relações transnacionais, como nós veremos um pouco mais adiante. Estas novas relações transnacionais criam o que é comumente chamado “transversalidade”, e sobre o qual o famoso sociólogo indo-americano Appadurai descreve, e também o escritor francês Edouard Glissant, que a ideia é que, atualmente, cada vez mais, as pessoas possuem muitas identidades. Com uma visão tradicional de territorialização da política, identidade é dada, prioritariamente, pela nação e pelo território tal como a definimos, mas, atualmente, um indivíduo está mais e mais envolvido em diferentes tipos de identidades, ele está desenvolvendo uma identidade plural, uma identidade volátil. Este é provavelmente o primeiro passo no caminho do fim do território. Este é provavelmente o primeiro fator de instabilidade em nossa nova ordem global.