[MÚSICA] [MÚSICA] Olá. A aula de hoje é sobre trabalho precário e precarização do trabalho. Ela está dividida três partes. Primeiro lugar, tentarei falar pouco sobre o que foi a condição salarial do pós Segunda Guerra Mundial, para depois entrar no debate torno da flexibilização das relações laborais e, finalmente, falar de termo, de conceito que surge associado à flexibilização, que é o de precariedade e os seus processos, processos associados à precarização das relações laborais e do trabalho. A condição salarial, termos muito simples, é regime de organização e relação do trabalho constituído no pós Segunda Guerra Mundial. Condição salarial nos termos de Albert Castel ou relação salarial fordista nos termos de outro sociólogo do trabalho chamado Benjamin Coriat, que vai estabelecer, naturalmente, outros termos nessa relação, com o objetivo de proteger o trabalhador, criar regime de interrogação para além do contrato individual de trabalho, determinando estatuto social diferente do que existia anteriormente, ao longo do século XIX e início do século XX. Este assentava, grosso modo, dois pilares de desmercadorização institucional. Era a desmercadorização institucional do trabalho, torno da Declaração de Filadélfia da OIT, que definia que o trabalho não é uma mercadoria, torno da criação do direito do trabalho, do reconhecimento dos sindicatos, da negociação coletiva, da estabilidade do contrato e de aumentos salariais associados aos aumentos da produtividade. E o outro pilar, naturalmente, era o estado de bem-estar social que concluía, que dava forma a essa desmercadorização institucional no terreno mais amplo da sociedade, permitindo o acesso a serviços públicos universais, com importantes efeitos de nivelamento social. O termo flexibilidade surge nos anos setenta, na chamada crise dos anos setenta, e não é possível entendê-lo sem tomar consideração outro termo que surge nesse mesmo contexto. E esse termo é exatamente, esse conceito, é a rigidez. A relação salarial fordista, o contrato social pós Segunda Guerra Mundial começa a ser questionado nos anos setenta, e a este é associado o termo rigidez. Não apenas a rigidez técnica, mas, sobretudo, e o que nos interessa nesse caso, a chamada rigidez social. Ou seja, os custos associados ao contrato social do pós guerra, que se expressavam, como tinha dito anteriormente, não só na relação salarial fordista, nos custos associados à relação salarial fordista, mas também nos custos asociados ao estado de bem-estar social. E será exatamente nos anos setenta que essa busca por flexibilidade, não apenas técnica mas também social, que levará à procura de transformação do próprio regime de acumulação direção ao regime de acumulação flexível, nos termos de David Harvey e, portanto, a transformações muito significativas no modo de acumulação que surgirá a partir da década de 70. É nesse contexto que surge o neoliberalismo, o Consenso de Washington, que impulsionará os processos de globalização econômica. E termo incontornável nesta agenda de transformação da relação será exatamente a flexibilização das relações laborais. A promoção da diversidade contratual com vista a aumentar a adaptabilidade das empresas, a competitividade das empresas e, desenvolvendo o argumento de que demasiada rigidez na relação do mercado de trabalho era ela própria geradora de desemprego, ou pelo menos não criadora de novos empregos. Como podem ver nesta inserção, apresentamos de forma muito esquemática, de forma muito simples, comparação, o tipo de componente, ou o tipo de contrato nas suas características fundamentais predominantes no período pós Segunda Guerra Mundial, aqui definido como período fordista, e o tipo ou o modelo do contrato privilegiado no momento mais recente, a partir dos anos setenta, torno da noção de trabalho flexível. A própria OCDE, uma das principais agências internacionais difusoras do paradigma da flexibilidade das relações de trabalho, criou indicador, índice de rigidez, abordando a legislação de proteção do emprego, índice de rigidez esse que foi sendo utilizado para monitorizar esta agenda de flexibilização. Este índice varia uma escala entre zero e seis e é composto por três indicadores. Primeiro lugar, a dificuldade na demissão, ou despedimento individual de trabalhadores com contratos permanentes. O segundo indicador é a regulação dos contratos a termo e das formas de trabalho temporário, e o terceiro, os custos associados à admissão ou despedimento coletivo. Este indicador, ou índice de rigidez, foi monitorando as transformações que foram ocorrendo ao longo dos anos 80, 90, 2000, associado à agenda internacional da OCDE e das outras instituições de flexibilização das relações laborais. Termos muito simples, os anos 80 e 90 são os anos que as principais mudanças ocorridas se concentram apenas num desses itens: na relação dos contratos a termo e das formas de trabalho temporário. No final dos anos 90, o mercado de trabalho caracterizava-se já por uma significativa segmentação, ou seja, entre segmento ainda de trabalhadores estáveis, mas outro crescente, inserido já formas precárias de emprego, os chamados contratos atípicos. E será apenas nos anos 2000 que, acontecerão na maioria dos países centrais, revisões amplas de suas legislações trabalhistas, procurando alterar as outras dimensões da rigidez, da chamada rigidez da regulação do trabalho, torno dos custos associados à demissão individual, e também à demissão coletiva. Jeito de balanço, é possível dizer que estas três décadas já nos permitem fazer uma avaliação sobre o impacto líquido desta flexibilização da legislação de proteção do emprego. É a própria OCDE que admite diversos estudos que, embora seja a principal difusora desta agenda, não existe qualquer tipo de evidência empírica que relacione maior flexibilização das relações laborais com criação líquida de emprego ou diminuição do desemprego. Amplos relatórios, diversos relatórios da OCDE afirmam isso mesmo: não existe evidência empírica de que a flexibilização esteja associada à criação de emprego. Isso pode ser visto por diferentes dados estatísticos disponíveis. Tomando apenas os países do G7, é possível ver que as taxas de desemprego foram aumentando ao longo das últimas décadas, com a implementação também deste modelo flexível das relações laborais. É possível ver que os contratos atípicos vão se tornar uma realidade presente nessas próprias sociedades, nesses países do G7, mas também no conjunto da OCDE, ou na média da OCDE. As formas de trabalho atípico ou emprego temporário vão se tornando formas muito características de inserção nos mercados de trabalho destes países. O emprego a tempo parcial, o emprego part-time, também cresce significativamente todos estes países cujos dados nós temos disponíveis por meio da própria OCDE. Mas há aumento importante associado a este emprego a tempo parcial, ou part-time, que é o emprego a tempo parcial involuntário, ou seja, o conjunto de trabalhadores que aceita trabalhar part-time não por opção própria, individual, porque o favorece, porque lhe permite articular melhor a relação laboral com a sua vida familiar, mas porque não conseguiu encontrar emprego a tempo inteiro, com a jornada completa, que lhe permitisse ter acesso também. O conceito de precariedade é conceito relativamente recente, ou seja, ele não era utilizado antes da década de 70 para o estudo das nossas sociedades. Na verdade, ele surgirá no campo da sociologia da família no final dos anos 70, para estudar as chamadas famílias precárias, ou seja, categorias marginais da população que viviam situações persistentes de pobreza. Neste contexto, nestes estudos, a dimensão do trabalho, do emprego, na inserção profissional era algo que era considerado, mas não era uma categoria central explicativa, ou utilizada para explicar a persistência do ciclo vicioso de pobreza. Então esta noção de precariedade apenas no contexto dos anos 80, com o enfraquecimento da condição salarial, nos termos definidos por Robert Castel, é que se deslocará para o campo do trabalho e do emprego. A noção de precariedade se ancorará neste contexto do trabalho e do emprego exatamente como consequência da flexibilização das relações laborais, gerando cada vez mais diversidade contratual. Com o ressurgimento do desemprego estrutural, ou níveis médios de desemprego mais elevados, é que podemos dizer que a noção de precariedade se instalará no campo do trabalho e do emprego. Ela procurará dar conta da diversidade contratual, mas sobretudo da proliferação do que é chamado de trajetórias laborais desqualificadas. Ou seja, trajetórias essas que são marcadas mais pela mobilidade horizontal. Portanto, mudança de elevada rotatividade, a mudança de emprego emprego, de pouca qualificação e baixa remuneração, do que propriamente trajetórias laborais qualificantes ou de mobilidade social ascendente. E então neste contexto, a precariedade procura caracterizar a relação de emprego, a inserção na relação de emprego com as características sobretudo desqualificantes, mas também chamar a atenção que a vulnerabilidade dessa inserção laboral também se caracteriza, ou caracterizará uma restrição, embora parcial, do acesso aos direitos sociais, ou a proteção social, já que estes desde o pós-segunda Guerra Mundial eram fundados também numa inserção estável na relação de trabalho e na relação de emprego. Finalmente o termo, ou a noção precariedade, acaba sendo utilizado para explicar as próprias consequências da precariedade do trabalho para o conjunto da sociedade. Ou seja, a precariedade e a precarização do trabalho não afeta apenas a chamada periferia precária da força de trabalho. Primeiro lugar, ela acaba se generalizando ou se expandindo também para o conjunto dos trabalhadores, chamados trabalhadores estáveis. Ou seja, ela vai contribuir para a digitalização desses mesmo estáveis, dada a incerteza da própria manutenção do seu emprego e dada a impossibilidade de prever o seu próprio futuro profissional. E consequentemente, face a esta generalização da precariedade no campo do trabalho ela instala-se também no núcleo central das relações sociais. O conceito passa sendo utilizado exatamente para explicar as transformações na sociedade e no seu conjunto. Ou seja, é dinâmica de desestabilização geral da sociedade, o estado generalizado e permanente de insegurança, de aumento das desigualdades sociais e da vulnerabilidade econômica e social no seu conjunto. Síntese, e podendo recapitular alguns argumentos, a flexibilização, ou a agenda da flexibilização, não teve efeitos na geração de emprego, nem teve efeitos na diminuição do desemprego. Mas o trabalho precário e a sua generalização teve efeitos sim na competição, ou no arrocho salarial, no aumento da exploração do trabalho e no aumento das desigualdades terrena. Mas sobretudo, teve também efeitos sociais mais amplos. A contrapartida de dar plena autonomia a empresas e organizações para determinar os montes de contratação da sua força de trabalho, gerou efeitos mais amplos de desestruturação e de precarização da sociedade geral. Ou seja, gerou desequilíbrio crescente das relações entre empregadores e trabalhadores, gerou aumento das desigualdades sociais e sobretudo gerou também uma ampla vulnerabilidade econômica e social, que se expressa nas nossas sociedades contemporâneas. [SOM]